Eleanor Rosenthal

Tentar aprender a Técnica Alexander através de um livro é, segundo afirmou um entusiasmado aluno, como ler um manual sobre como fazer amor.

 

A Técnica Alexander (…) é um método através do qual o aluno pode se libertar de maus hábitos posturais e tornar-se consciente do ponto de encontro entre o corpo e a mente. A Técnica corrige ao mesmo tempo o alinhamento do corpo e a coordenação geral do aluno.

 

Ao explicar por que a Técnica foi incluída no programa da Juilliard School Drama Division já no primeiro ano, em 1969, St. Denis descreve o estado de bem estar físico equilibrado que ela produz e que “é importante para o crescimento criativo do ator e essencial para o desenvolvimento de seu modo de expressão”.

 

Vinte anos depois, a Técnica continua a ser ensinada na Juilliard, assim como na maioria das grandes instituições de formação teatral dos Estados Unidos e da Inglaterra. O interesse e o entusiasmo são crescentes, e a Técnica tem sido publicamente elogiada por atores como Paul Newman, Joanne Woodward, Julie Andrews, Nina Foch, John Cleese, Anthony Perkins, Fritz Weaver e Joel Grey.

 

 

A Técnica e o ato de representar

 

Cada um de nós, atores ou não, vem ao mundo com um instrumento, mas só os atores se preocupam com ele. A maioria dos não-atores presta pouca atenção ou ignora seu instrumento até ficar seriamente doente. Entretanto, assim como os atores, os não-atores também utilizam seu instrumento em todas as atividades de sua vida diária. A diferença é que os atores também utilizam o instrumento para representar, e são as exigências deste ato que os tornam tão conscientes de seus instrumentos e tão interessados em descobrir novas formas de aprimorá-los.

 

A Técnica Alexander é um método que tanto atores quanto não-atores podem utilizar para aprimorar seus instrumentos. Mas ao contrário das aulas de voz e dança, que lidam com atividades específicas, a Técnica lida com o instrumento como um todo. Assim, o trabalho da Técnica não se restringe a uma área específica e resulta numa melhor qualidade em tudo o que você faz.

 

A idéia de se usar um único tipo de treinamento para melhorar o “funcionamento” de uma pessoa em suas diferentes atividades não é tão estranha quanto parece. Se você acha complicado, então imagine-se algemado. Mesmo que você seja muito habilidoso terá dificuldades em fazer um omelete ou tocar um violino. Mas se eu retiro suas algemas, você poderá cozinhar e tocar melhor sem que eu precise ensinar a fazê-lo.

 

Da mesma forma, o professor da Técnica Alexander não precisa ser especialista na área de atuação do aluno. O professor tem um conhecimento diferente: ele sabe como os hábitos interferem no funcionamento das pessoas, e sabe como ajudá-las a mudar estes hábitos.

 

Aprender a eliminar hábitos indesejáveis é fundamental na Técnica Alexander. Do ponto de vista do próprio Alexander, são os nossos hábitos que atrapalham o bom funcionamento, e o objetivo da Técnica é modificá-los.

 

Os atores são conscientes da importância do hábito. A atriz e professora Nina Foch dá o exemplo de um ator que andava como um pato por causa dos pés virados para fora. Ela indicou para ele aulas da Técnica porque sabia que se não melhorasse a forma de andar ele simplesmente não seria levado a sério.

 

Um dos meus alunos diz: “A técnica me ensinou o que é uma postura realmente neutra. É a tela em branco sobre a qual eu posso criar um personagem. Antes, eu não tinha nenhuma escolha sobre certos hábitos físicos.”

 

À medida em que elimina os hábitos indesejáveis, a Técnica proporciona melhor postura e coordenação. Os movimentos tornam-se mais fáceis, graciosos e eficientes. Não há nada de rígido nos movimentos de um ator que aprendeu a Técnica: os alunos da Técnica Alexander não se destacam por uma postura específica, mas apenas por sua “boa movimentação”. Na verdade, o aluno que se movimenta com uma rigidez “Alexandrina” ou teve um mau professor ou não entendeu nada do que lhe foi ensinado.

 

Uma vez pedi aos alunos de uma turma iniciante que anotassem as mudanças que eles percebiam nos colegas antes e depois das aulas da Técnica. Eles mencionaram: mais leve, mais alto, mais equilibrado, deslizando, mais magro, mais suave, os braços balançando, os quadris mais soltos, movimento menos tenso, ombros relaxados, ereto, menos rígido, gracioso e energizado.

 

Eliminar os maus hábitos também aprimora a produção vocal. A Técnica começou há um século, quando F. Matthias Alexander buscou durante aproximadamente nove anos a solução para os problemas vocais de que sofria como declamador shakespeareano. Observando e modificando os seus hábitos vocais ele foi capaz de solucionar o problema de tensão vocal e melhorar a qualidade da voz e sua impostação dramática. Seu trabalho chamou imediatamente a atenção de artistas e muitos dos principais atores ingleses da primeira metade do século foram seus alunos.

 

Hoje em dia, muitos atores sofrem de problemas semelhantes. Uma atriz me disse que começou a ter aulas da Técnica porque, apesar de estar há mais de um ano trabalhando a voz, muitas vezes sentia a voz “áspera, arranhando, e presa na garganta”; em duas ocasiões, sob tensão, perdeu-a completamente durante uma apresentação. O “desaparecimento” de seus problemas vocais era motivo de grande alegria para ela e para sua professora de canto. Outro aluno descreve a “mudança dramática” ocorrida durante uma sessão em que trabalhávamos com a voz:

 

“Minha voz era grave e ressonante, mas tinha uma tendência a ser gutural, e eu geralmente falava alto demais ou gritava quando queria enfatizar algo. Depois de uma aula sobre o uso da voz, ela ficou completamente diferente. Eu já não falava de modo estridente, controlava o volume sem tensionar e não precisava mais gritar.”

 

Outro aspecto do trabalho que os atores consideram atraente é o psicofísico. Geralmente, os atores procuram a Técnica por causa de uma visível tensão (nos braços e ombros, por exemplo) que interfere na representação. A Técnica ajuda a eliminar as manifestações de tensão visíveis e a tornar a pessoa mais calma, mais centrada e mais resistente ao stress. É o que diz um ator:

 

“Falamos sobre o que é estar centrado e em contato com você mesmo, especialmente a nível criativo. Isso já é suficiente para que aconteça – é uma forma de ficar centrado e disponível.”

 

Nina Foch comenta sobre os atores que ela indica para as aulas da Técnica: “Eles ficam mais centrados. Mais seguros de si. São capazes de se concentrar no trabalho ao invés de se preocupar com o corpo e a aparência.”

 

Da mesma forma, um corpo equilibrado, livre e energizado é mais imponente. A Técnica é uma forma de marcar a presença, dentro ou fora do palco. Uma das minhas alunas diz que desde que começou a fazer a Técnica “As pessoas tendem a me creditar maior poder. Eu me sinto mais firme e calma. Tenho um poder que antes não percebia, e esse tipo de poder “silencioso” é muito atraente.”

 

Outro fator atraente na Técnica é o seu efeito em certos tipos de males físicos. Uma vez que a Técnica melhora o funcionamento do corpo, ela é uma forma eficiente de se lidar com uma variedade de problemas musculares e ósseos. Dor lombar e tensão crônica no pescoço e ombros, por exemplo, são aliviadas com o trabalho da Técnica. Naturalmente, este fator atrai tanto atores quanto não-atores.

 

Os atores, entretanto, enfrentam com freqüência exigências físicas incomuns. Seja para representar uma atividade física mais difícil, manter uma posição desconfortável por muito tempo ou fazer um papel como Ricardo III ou o Homem Elefante, em que o personagem tem maneirismos físicos ou características que podem causar algum dano corporal, os atores acreditam que a Técnica pode ajudá-los a buscar a forma mais eficiente e menos prejudicial de representar.

 

 

Aprendendo a Técnica – a transformação

 

O processo de aprendizado da Técnica envolve consciência e transformação. Se o aluno apenas prestar atenção às instruções do professor e ficar receptivo à magia de suas mãos especialmente treinadas, ele terá uma experiência mental e física completamente diferente de qualquer coisa que pudesse desenvolver sozinho. O efeito é a ausência de esforço. Uma aluna falou sobre as mudanças em sua voz: “É como se um espírito tivesse entrado em mim e a voz de outra pessoa saísse do meu corpo”.

 

Um mecanismo essencial ao aspecto de transformação da Técnica é o que Alexander chamou de “controle primário”. Trabalhando consigo mesmo, Alexander descobriu que ao recitar, ele tinha o hábito de inspirar pela boca e inclinar a cabeça para trás e para baixo, exercendo uma pressão na coluna. Quando aprendeu a corrigir este hábito e a aliviar a tensão, não apenas a voz mas o corpo inteiro começou a funcionar melhor. Isso o levou a pressupor a existência de um “controle primário”, um mecanismo que nos conduziria a uma melhor coordenação se pudesse acontecer sem interferência.

 

Para ativar este controle primário, Alexander precisou livrar-se dos hábitos que o atrapalhavam; hoje em dia, um aluno da Técnica aprende a mesma coisa. O controle primário, quando ativado, conduz a um equilíbrio interno que afeta o funcionamento do corpo inteiro, e não apenas da cabeça e pescoço. Ele também desencadeia um processo de aprendizado que ocorre a nível inconsciente, de forma que o aluno se perceberá andando, falando, levantando um embrulho pesado de forma diferente, e tudo isso sem qualquer esforço consciente.

 

Aliás, perceba que o movimento da cabeça que ativa o controle primário é um movimento solto e natural, e não uma posição rígida. Existe um conceito errôneo muito difundido de que a Técnica Alexander “ensina você a segurar a cabeça”. O que se deseja é um balanço, e não uma posição fixa.

 

 

Aprendendo a Técnica – a compreensão

 

Enquanto a maior parte do aprendizado da Técnica Alexander é inconsciente e muitos alunos fazem enormes progressos sem muito esforço, o aprendizado consciente é parte integrante da Técnica. Ao mesmo tempo em que o aluno se satisfaz com as transformações, ele também aprende a criá-las.

 

Alexander desmembrou o processo do aprendizado em três etapas: percepção, inibição e controle consciente. Trabalhando com o próprio corpo, sua primeira tarefa foi perceber o que estava fazendo e, em especial, quais os hábitos que interferiam em seu controle primário. Então, descobriu que não poderia solucionar o seu problema se ficasse apenas trabalhando em cima dos hábitos; se ele queria libertar seu instrumento para que funcionasse da forma mais natural possível, primeiro teria que livrar-se dos hábitos que o atrapalhavam. Inibição foi o termo usado por Alexander para eliminar os antigos hábitos e ficar livre para reagir aos estímulos.

 

Controle consciente foi o termo escolhido para a substituição dos hábitos antigos, agora inibidos, com uma nova e mais satisfatória forma de uso. Para isso, é preciso saber o que significa “bom uso”, descobrindo o que é necessário e depois “direcionando-se” para a mudança.

 

O conceito de “direcionar” é especialmente importante na Técnica Alexander. Quando Alexander, trabalhando com o próprio corpo, conseguiu inibir seu velho hábito de puxar a cabeça para trás e para baixo, a primeira tentativa foi de fazer o movimento contrário. Não obtendo o resultado desejado, experimentou uma forma de criar a mudança a partir de um “direcionamento”, um processo de enviar mentalmente instruções a várias partes do corpo. Assim, se você deseja ativar seu controle primário, primeiro deve inibir o movimento de jogar a cabeça para trás e para baixo e depois deve direcionar a cabeça para frente e para cima a partir do final da espinha, e direcionar a espinha para que se alongue. Com a prática e o auxílio das mãos do professor, sua habilidade em direcionar torna-se cada vez maior. Entretanto, note que essas instruções não fazem muito sentido se você não teve a experiência cinestésica à qual elas correspondem. Não tente experimentá-las à toa.

 

 

As aulas

 

Duas palavras sobre os aspectos práticos das aulas. Se você fosse assistir a uma aula minha o que veria? Em primeiro lugar, eu uso tanto as palavras quanto as mãos para ensinar. O toque de um professor da Técnica Alexander é diferente e difícil de se descrever. Através do treinamento que recebi e do meu próprio controle primário em atividade, posso colocar as mãos sobre o corpo do aluno, e da forma mais suave possível, causar profundas mudanças em sua musculatura e coordenação.

 

Parte do meu trabalho acontece com o aluno (completamente vestido) deitado em uma mesa. Se você estivesse observando, veria que eu o toco suavemente e movimento seu corpo, auxiliando-o a soltar o corpo e reequilibrá-lo. Eu também estaria falando com ele, explicando como chegar ao processo e mantê-lo sozinho.

 

Há mais trabalho com o aluno fora da mesa — sentando, levantando, andando e exercendo atividades que fazem parte de sua rotina diária ou estão relacionadas a exigências profissionais (por exemplo, trabalhando algumas cenas com um ator). Na maior parte do tempo, minhas mãos tocam o aluno; ativando seu controle primário e guiando seus movimentos, posso oferecer-lhe uma experiência de um melhor uso em qualquer atividade. Ao mesmo tempo, continuo ensinando o aluno a criar a experiência sozinho.

 

Tradicionalmente, as aulas da Técnica são individuais, pois o toque do professor é uma parte importantíssima do processo. As aulas em grupo podem ser úteis, especialmente porque a atenção do professor, assim como suas mãos, deve ser compartilhada entre os alunos.

 

As aulas duram de 30 minutos a uma hora, dependendo do professor. Elas devem acontecer pelo menos uma vez por semana; no começo duas ou três aulas por semana seria o ideal. Embora você vá sentir o progresso logo de início, entre 15 e 30 aulas seria o tempo suficiente para desenvolver as experiências cinestésicas e a sua compreensão de como trabalhar sozinho.

 

Na verdade, alguns alunos fazem muito mais do que 30 aulas, quando percebem as muitas formas de se fazer uso da Técnica. Uma de minhas histórias favoritas é a de uma atriz iniciante que, durante um workshop sobre comerciais, ouviu que dificilmente ela poderia fazer este tipo de trabalho porque não tinha um bom sorriso – ela não usava o lábio superior. Passamos a aula seguinte soltando e ativando o lábio enrijecido, e agora ela consegue comerciais por causa do sorriso. Na verdade, um anunciante insistiu para que ela fizesse o trabalho apesar de ter feito um comercial anterior para um produto semelhante – simplesmente porque eles gostaram do seu sorriso.

 

Como você pode ver, existem inúmeras possibilidades interessantes no ponto de encontro entre o corpo e a mente.

 

 

Eleanor Rosenthal trabalha como professora da Técnica em San Francisco desde 1975. É membro da ACAT e da NASAT, e foi diretora e presidente da primeira. Formou-se professora no American Center for the Alexander Technique em Nova Iorque sob a supervisão de Judith Liebowitz, professora da Técnica na Juilliard Drama Division.

 

1989 Eleanor Rosenthal – Título Original: “Where Mind and Body Meet”
Artigo extraído do CALLBOARD, publicado por Theatre Bay Area, San Francisco, Califórnia, fevereiro de 1990.
Tradução: Marcia Cunha
Revisão: Roberto Reveilleau.

As opiniões de cada autor expressa nos artigos não refletem necessariamente o pensamento da ABTA e seus membros.