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Estas conferências anuais foram instituídas como uma forma de se preservar a memória de F. M. Alexander. Uma década se passou desde a sua morte em 10 de outubro de 1955, portanto talvez seja este o momento apropriado para se fazer um retrospecto do conhecimento que ele nos deixou, e para relembrar aspectos de seus ensinamentos que podem correr o risco de ser esquecidos e até mesmo perdidos, à medida que os benefícios psico-físicos de sua obra tornam-se mais populares. Uma instituição, dizia Emerson, é como a longa sombra de um homem — nós, nesta Sociedade, somos a sombra de Alexander em rápida expansão. Esta palestra faz um apelo para que tomemos o cuidado de não deixar que a sombra se distancie demais e se perca do homem que a projetou.
É importante lembrar que para se discutir ou analisar qualquer coisa, a linguagem, por sua própria natureza, nos força a falar de modo separativo. O ser humano é um todo — funciona bem ou mal como um todo e as experiências vividas estão integradas de um modo que não pode ser expresso em palavras. Os aspectos físicos e mentais de qualquer atividade são, na realidade, um só, mas precisam ser separados para serem discutidos.
A idéia de que a postura influencia no bem-estar geral é muito antiga. Sabemos que os gregos preocupavam-se com isso; que as jovens damas vitorianas usavam espaldares para forçar a posição ereta da coluna; e que treinamento de postura nas aulas de educação física faz parte do currículo escolar. Muitas religiões e disciplinas orientais continham instruções sobre a postura e o porte do corpo.
Também quase poderíamos falar da nobre linhagem desta idéia, uma vez que muitas expressões cultuadas na nossa língua1 indicam o conhecimento de que a atitude corporal denuncia estados internos da mente ou características predominantes. Assim, falamos em “perder a cabeça” ou “ter a cabeça no lugar”, e todos sabemos o que significa estar “fora de si”. A Bíblia está repleta de referências a uma geração de pescoço duro: “os cabeças-duras e os descrentes serão punidos” e “eles enrijeceram o pescoço de tal forma que não ouviram a Palavra do Senhor” são dois bons exemplos.
Durante os últimos 30 anos pelo menos, a importância da mecânica do corpo tem sido amplamente reconhecida. Alexander descobriu que o problema da postura era muito mais grave do que se imaginara. Ele não utilizava a palavra “postura” por tratar-se de um conceito muito limitado para a natureza das descobertas que havia feito e que demonstravam que a má “postura”, ou o “mau uso”, como ele preferia, eram o resultado final de erros muito mais profundos envolvendo a pessoa como um todo. Na realidade, era o resultado de maus hábitos “entrelaçados na fraqueza do corpo em mutação”, para citar Eliot.
Uma das coisas que ele queria dizer com o “uso de si mesmo” era o modo como as várias partes do corpo estão relacionadas entre si no que concerne à própria vida, ao movimento e à nossa existência.
Postura significa posições fixas e um modo certo ou errado de sentar, ficar de pé e etc., e o treinamento da postura está baseado no princípio inadequado de que a má postura pode ser satisfatoriamente alterada de fora para dentro, fazendo-se alguma coisa diferente.
Para começar com o erro — pois é o que se nota primeiro — Alexander descobriu que nós vivemos numa quase total ignorância sobre a forma como usamos o corpo: muitas pessoas estão distorcendo a forma e prejudicando o funcionamento geral do organismo através de má coordenação, tensão muscular, e do mau uso das partes do corpo e de sua interrelação.
O corpo é um instrumento – é o instrumento através do qual nós vivemos — e pode ser capaz de percepções muito sutis. O professor A.N. Whitehead escreveu no seu livro The Romantic Reaction que “a unidade do campo perceptivo, portanto, deve ser uma unidade de experiência corporal. A sua percepção acontece onde você está E É TOTALMENTE DEPENDENTE DO MODO COMO O SEU CORPO ESTÁ FUNCIONANDO”. Este instrumento estava sendo danificado e distorcido com total falta de consideração até Alexander começar a ensinar. Ele está se tornando pesado e incapaz de um comportamento sensível por causa do excesso de tensão e do conseqüente ruído interno ao qual está sujeito. Essa falta de paz no corpo torna quase impossível o estado conhecido como “paz de espírito”.
A forma resultante deste mau uso segue o mesmo padrão geral em qualquer pessoa.
Invariavelmente, os músculos do pescoço contraem-se excessivamente fazendo com que a cabeça perca sua posição natural e livre no alto da coluna. Isso acarreta na enorme contração de alguns músculos do tronco e na falta do tônus adequado nos outros músculos de sustentação do corpo. O resultado é um exagero nas curvas naturais da espinha e uma pressão prejudicial em cada vértebra da coluna e nas articulações, associada a um esforço demasiado e ao mau relacionamento dos membros com o tronco.
Em resumo, chegamos a uma situação em que o trabalho de sustentar o corpo está sendo mal-distribuído – com a forma do corpo distorcida – e funções vitais como a respiração, a circulação do sangue e a digestão estão funcionando de forma ineficiente e sob enorme pressão.
Isto equivale a dizer que o equivocado princípio geral que está regendo o uso do corpo é o da contração de cada parte do corpo sobre as articulações mais próximas, começando com a contração da cabeça sobre o tronco.
É como se cada um de nós estivesse tentando ocupar o menor espaço possível no universo.
Este mau uso inconsciente do eu produz estados de mal-estar, inaptidão, desconforto e doença generalizada que desnorteiam o médico comum, e para os quais não há remédio senão uma mudança radical na maneira como as pessoas estão se usando.
Felizmente, durante os últimos 15 anos na Inglaterra, a pesquisa médica assim como a publicação de trabalhos científicos em jornais e revistas médicas tem resultado no grande aumento do número de médicos e psiquiatras que acabam se tornando professores da Técnica Alexander para auxiliar os pacientes que sofrem com os efeitos do mau uso.
Para compreender a diferença entre os métodos comuns de treinamento postural – ou correção postural – e os ensinamentos de Alexander, devemos rever sua história pessoal, reexaminar nossas origens e ver como ele chegou ao conhecimento que tornou possível uma abordagem completamente nova para o problema de como nos usarmos da forma menos prejudicial possível.
Alexander começou com a prática — ele tinha pouco tempo para teorias ou idéias que não tinham nenhuma aplicação concreta.
O que o impulsionou em sua busca foi uma deficiência que interferia em seu trabalho de ator e declamador. O que parecia um problema específico – uma rouquidão recorrente – levou-o a descobrir que uma pequena e aparentemente isolada deficiência não poderia ser superada sem se apelar para a mudança total em todo o seu ser. E que as tentativas de operar a mudança ao nível externo e visível – o tradicional método de corrigir os erros – foram completamente inúteis.
Aí então estava Alexander, um bem-sucedido declamador apaixonado por Shakespeare e firmemente determinado a se tornar um grande ator shakespeareano. Todas as suas ambições estavam desmoronando porque sua voz não atendia às exigências da arte.
Ele procurou auxílio médico. Depois de frustrantes tentativas com os medicamentos, que só produziam melhoras enquanto ele não forçava a voz, Alexander chegou ao que seria a primeira de uma série de descobertas geniais. Ele percebeu que poderia estar, ele próprio, causando o problema – que poderia estar colocando tensão nos órgãos vocais de uma forma tal que ele próprio desconhecia. Se olharmos para trás agora, veremos que este primeiro passo em direção a pensar sobre o seu problema, surge claramente como a chave de tudo o que viria a seguir, e demonstra a sua originalidade e também a forma incômoda como não aceitava nada sem questionar. Ainda garoto esta característica era evidente. Dizem que ele era um perfeito chato na escola que freqüentava na Tasmânia, a Dame School, porque invariavelmente questionava tudo o que lhe era ensinado, e ainda perguntava aos professores como eles sabiam que a informação que transmitiam era correta.
Não há como saber quantas pessoas com o problema de voz de Alexander abandonaram a carreira de oradores, atores ou cantores por aceitarem sem pensar que se o tratamento médico falhara não poderia haver outra solução para o seu problema.
Alexander então assumira para si próprio a responsabilidade do seu problema. A fim de observar o que fazia quando usava a voz, experimentou falar na frente de espelhos. Com paciência e observação de seu uso, descobriu, com o passar do tempo, que aconteciam três coisas muito peculiares cada vez que falava. Havia uma tendência em puxar a cabeça para trás, afundar a laringe e aspirar o ar pela boca. Com estas interferências acontecia uma propensão a elevar o peito e encurtar todo o corpo.
Após longa experimentação, ele descobriu que se conseguisse evitar que a cabeça caísse para trás, os outros maus usos não aconteceriam.
Esta foi a segunda grande descoberta: a interferência na posição livre da cabeça acarretava em interferência no uso geral do resto do corpo.
Mais tarde ele chamou de controle primordial a predominância da cabeça na hierarquia do corpo, em parte porque ao se desfazer o emaranhado do mau uso, é o primeiro fator com o qual se lida e que condiciona as formas de mau uso no resto do corpo.
O controle primordial é, por definição, a ligação entre a cabeça, o pescoço e as costas. É o controle primordial que determina um bom ou mau uso do corpo.
Após descobrir o que poderia estar causando seu problema com a voz, Alexander partiu para tentar corrigir estes erros da forma mais óbvia. Ele tentou FAZER o contrário daquilo que provocava a afonia. Mas quanto mais ele lutava para fazer a coisa certa, mais confuso ficava.
Descobriu que não conseguiria interromper estes maus hábitos se tentasse interrompê-los. Finalmente concluiu que não precisava FAZER algo diferente, e sim parar de fazer o que já estava fazendo.
Este é o próximo princípio importante de seus ensinamentos que viram do avesso todas as conhecidas teorias com relação a se corrigir alguma coisa errada. Geralmente, quando há algo errado, costumamos pensar que precisamos FAZER alguma coisa para que fique certo.
Este novo princípio diz que se alguma coisa está errada, precisamos descobrir o que é e parar de fazê-lo. A única cura para alguém que bate a cabeça contra a parede é parar de batê-la.
Compreender este princípio é fundamental para qualquer tentativa de mudar o mau uso, e destaca uma das diferenças básicas entre o seu ensinamento e qualquer outro método.
Além disso, é o princípio que ajuda a explicar o trabalho. Quando nos perguntam o que fazemos podemos responder assim: “Ensinamos as pessoas a perceber a excessiva tensão desnecessária que elas colocam em tudo o que fazem, para que não precisem continuar se usando tão mal.”
Em outras palavras, estamos preocupados em transmitir aos alunos o conhecimento que lhes permitirá libertar-se da tensão excessiva que os aprisiona, para que o uso livre e natural do corpo possa emergir. Cyril Connoly escreveu no livro The Unquiet Grave — “dentro de cada homem gordo existe um magro querendo sair”. Podemos modificar esta frase para: “Dentro de cada homem tenso existe um livre que não sabe como sair”.
Não estamos ensinando as pessoas a fazer certo, mas a parar de FAZER errado. É impossível FAZER um DESFAZER.
Voltemos a Alexander diante dos espelhos. Ele chegara a um impasse. Sabia o que estava errado e sabia que não podia FAZER nada para obter o certo. Havia esgotado todas as tentativas de alterar o que acontecia EXTERNAMENTE.
O próximo passo era começar a caminhar para dentro de si, para o lugar central onde realmente estava o problema. No meio do caminho reconheceu que não poderia confiar nas suas sensações – ou seja, nas sensações cinestésicas da quantidade de tensão muscular que estava usando. Descobriu que aquilo que via nos espelhos não correspondia em absoluto ao que ele sentia que estava acontecendo. Até aquele momento ninguém havia questionado a confiabilidade deste guia enganoso que todos utilizamos ao avaliar o que acontece com o corpo – quanta tensão estamos fazendo – e também onde está uma determinada parte do corpo em relação com as outras e com o todo. A sensação cinestésica funciona em parte através dos fusos nos músculos, e também a partir dos receptores nas articulações. Os fusos são minúsculos mecanismos cuja função é transmitir informações aos centros nervosos sobre o estado dos músculos e receber de volta do cérebro informações sobre como os músculos devem agir. Entretanto, se houver muita tensão no músculo, chega-se a um ponto em que esta “comunicação” entre o cérebro e o músculo fica impossibilitada, e nós não conseguimos mais sentir o que estamos fazendo. Esta é a explicação científica do que Alexander chamou de “apreciação sensorial enganosa” e é a principal origem de nossa ignorância sobre o que estamos fazendo conosco quando estamos errados. Isso explica por quê os métodos comuns de consertar as coisas sem considerar a sensação errada costumam fracassar.
Alexander não conseguia mudar nada quando tentava fazer. Ele não podia confiar em suas sensações. Percebeu então que subestimara a força do hábito. O que ele observava no espelho era o resultado final de padrões internos desordenados profundamente arraigados no sistema nervoso. E que estes padrões internos de impulsos, transmitidos através do sistema nervoso até os músculos agindo na estrutura óssea e nas articulações do corpo se perpetuavam, estivesse ele movendo-se, falando ou sentado.
Na realidade ele era estes padrões internos – e o seu corpo, a manifestação externa deles.
O próximo passo foi tomado quando Alexander percebeu que o único momento em que poderia começar a controlar os padrões habituais errados era quando pensava em falar ou se mover.
No instante em que, qualquer que fosse a parte do corpo que estivesse usando mal, ficaria pior se ele iniciasse uma ação qualquer.
Ele chegara ao único ponto e ao único momento no tempo em que a mudança poderia ter início, ou ele poderia ter qualquer controle sobre os padrões habituais de mau uso que dominavam tudo o que tentasse fazer.
Este lugar, ou este momento no tempo, era o instante em que um estímulo que conduziria a uma atividade alcançava sua consciência. Normalmente, quando acontece um estímulo, reagimos a ele da única forma possível. A resposta vem sem pensar – sem que percebamos o que estamos colocando em movimento. A reação é a resposta imediata do corpo todo, de acordo com os padrões habituais de movimento que desenvolvemos desde os primeiros anos de vida. Não temos escolha neste processo, não podemos fazer de outra forma. Estamos escravizados a estes padrões irreconhecíveis como se fossemos autômatos.
Quando Alexander alcançou o entendimento desta parte do problema, ele descobriu a chave de toda a mudança. Finalmente pode compreender de que forma teria que trabalhar.
Até agora nós seguimos Alexander em sua trajetória partindo da manifestação mais aparente do mau uso, ou seja, da interferência com o funcionamento normal do corpo todo resultando na deficiência vocal, até o ponto mais interior onde ele podia interromper esta interferência.
Vamos agora reverter o processo e segui-lo novamente no caminho de dentro para fora.
Ele tinha que tornar possível uma pausa ou espaço entre o estímulo e a resposta. Decidiu fazê-lo dizendo “NÃO” à resposta imediata ou inibindo-a. Este provou ser o fundamento sobre o qual todas as suas descobertas posteriores foram feitas, e através do qual as futuras mudanças seriam possíveis. A palavra inibição neste sentido significa o oposto de “vontade” – significa conter o consentimento para a reação automática. Ela não significa reprimir algo no sentido que é utilizada em psicanálise.
Após efetivamente evitar a repetição dos velhos padrões inconscientes e após ter interrompido a máquina de “movimento perpétuo” em que se tornara, Alexander colocou o cérebro em ação enviando mensagens conscientes e verbais às partes do corpo que ele antes fora incapaz de controlar.
O primeiro resultado deste tipo de trabalho foi evitar o mau uso da cabeça, pescoço e tronco. Por algum tempo precisou se contentar em dar a si próprio um estímulo, recusar-se a responder a ele e transmitir as mensagens ou direções conscientes sem chegar a efetuar um movimento. Este é o estágio preparatório daquilo que se poderia comparar à construção de uma estrada ou à disposição dos trilhos sobre os quais passa um trem.
Com o passar do tempo ele foi capaz de prosseguir com as novas mensagens durante o movimento.
Eventualmente, os velhos padrões internos que estavam errados foram substituídos pelos novos, resultando no funcionamento coordenado e livre do seu corpo.
Assim ele concedeu ao novo uso uma faculdade que todos possuímos e utilizamos na vida cotidiana: a inteligência ou o poder do cérebro de determinar e dirigir o que desejamos fazer. Ele agora direcionou este poder para o controle do uso do próprio corpo, que passou a ser “informado pelo pensamento”.
Examinemos agora em detalhe a série de novas ordens ou mensagens que ele utilizou. A primeira e mais importante interrupção dos velhos padrões aconteceu, como vimos, quando ele disse “NÃO” à reação habitual. Depois, ordenou aos músculos do pescoço que se soltassem. Os músculos do pescoço são a única parte do corpo que podem exercer tração direta sobre a cabeça, que será inclinada para trás, para frente ou para os lados de acordo com o grupo ou grupos de músculos que estiverem mais tensionados.
Nenhuma modificação na posição da cabeça pode acontecer enquanto ela estiver presa pelo mau uso do pescoço. Além disso, os pequenos músculos sub-occipitais entre a base do crânio e primeira vértebra da coluna, o axis e o atlas, não podem efetuar sua função de balançar delicadamente a cabeça. A próxima ordem era para que a cabeça se direcionasse para a frente e para cima – que ela não se colocasse, mas se direcionasse.
A ordem seguinte foi para as costas se alargarem e alongarem.
Alexander explicou-nos que isto foi o mais próximo que ele conseguira alcançar com palavras à realidade que queria efetivar. Estas simples fórmulas verbais têm como objetivo promover a reconciliação de duas tendências opostas em cada caso, e para garantir o equilíbrio de forças nas trações antagônicas dos músculos do corpo. O resultado é harmonia, quando todas as partes cumprem o seu papel de manter a estabilidade e a imobilidade acontece sem rigidez, ou melhor, há uma ausência de perturbação no funcionamento das partes do corpo em relação umas com as outras.
Se a cabeça for muito para a frente, você perde a inclinação para o alto – se for muito para cima, ela cai para trás. “Na verdade, deixe-a em paz”.
Se fizer esforço demais para alongar as costas elas se encurtarão – se alargá-las demais, você perde no comprimento e afunda.
O processo exige que a pessoa esteja sempre atenta. Espero que tenha ficado claro o motivo pelo qual uma pessoa não pode fazer aquilo que ordena ao corpo. A primeira função das ordens é preventiva. São os padrões internos que fazem errado e que precisam ser interrompidos.
Sinto que me detalhei demais nessa história tão conhecida da maioria da platéia. Ela está toda explicada no livro de Alexander intitulado “O Uso de Si Mesmo”, mas eu avisei a vocês que iria reexaminar nossas origens. Isto era necessário para que o que vem a seguir faça sentido, especialmente para os nossos convidados que talvez não conheçam os ensinamentos de Alexander.
Depois de ter formulado a técnica, praticando-a para restaurar sua própria coordenação, Alexander ficou muito surpreso ao descobrir que os maus usos que superara aconteciam, em vários graus, com todo mundo.
É curioso pensar que até que esta questão do mau uso nos aflija, não percebemos o mau uso dos outros.
Alexander precisava, então, encontrar uma forma de ensinar aos outros o que ele já sabia. Era uma tarefa e tanto, que envolvia não só a explicação da técnica, mas também o aprendizado de uma habilidade sutil e especial no uso de suas mãos, necessário para trabalhar com outra pessoa.
Depois ele ainda teve outra tarefa árdua com os alunos que queriam aprender a ensinar a técnica. O desafio era o trabalho em grupo ao invés de individual.
É importante lembrar que todos estamos na mesma situação que Alexander. Ele descobriu o caminho e a técnica para se seguir este caminho. Nós temos a enorme vantagem de contar com o auxílio de um professor treinado. Mas a verdadeira importância e o valor da técnica estão no fato de que aprendemos a trabalhar com nós mesmos.
Alexander costumava dizer: “Todo mundo deve realizar sozinho o verdadeiro trabalho. O professor pode ensinar o caminho, mas não pode entrar no cérebro do aluno e controlar suas reações em seu lugar. Cada um deve aplicá-la sozinho.”
Aprender este trabalho é como aprender qualquer outra coisa. Utilizamos as mesmas faculdades e necessitamos da mesma paciência e perseverança em qualquer forma de aprendizado.
Até o momento, examinamos o trabalho de Alexander e sua aplicação em nossos maus hábitos musculares e no mau uso geral do corpo, e vimos como podemos construir um bom uso estável sob o nosso controle.
Vamos agora examinar algumas aplicações de seus princípios em outras esferas de nossa experiência e ver se podemos captar um pouco da visão de sua importância que o inspirou por toda sua vida.
Ele compreendia, e talvez fosse o único, que aí estava a possibilidade de se obter uma diferente qualidade de vida, a qual poderia ajudar a resolver muitas das dificuldades que provocamos por falta de consciência e controle. Era com grande modéstia que encarava sua participação nas descobertas e costumava dizer: “Se eu não tivesse descoberto o trabalho, outro pobre coitado teria que passar por tudo isso, pois iria sentir a enorme necessidade”. Talvez esta atitude seja comum entre pessoas criativas. Uma vez escrito o poema, composta a música, terminada a pintura ou alcançada a descoberta científica, a criação assume vida própria e o criador sente um certo afastamento com relação a ela.
A Técnica Alexander irá funcionar sempre que aplicada. Não é mágica, mas cumpre o seu papel. O quão profundamente será aplicada depende dos objetivos e desejos da pessoa em questão. Se o objetivo é livrar-se de uma dor nas costas, ela funcionará trazendo à consciência da pessoa o que ela está “fazendo errado” para que a dor aconteça. Se o objetivo é perceber com mais clareza as reações habituais em outros aspectos do ser, ela também funcionará, e através do mesmo processo. Todos somos prisioneiros do hábito. Temos até hábitos de pensamento — opiniões e preconceitos inquestionáveis que determinam o nosso comportamento sem que percebamos.
Também somos vítimas de hábitos de reação emocional. E estes são impulsos muito fortes.
Uma jovem aluna de meu marido, ao perceber pela primeira vez a importância disso tudo exclamou: “Ah, sei, Dr. Barlow, então isto é uma sentença para toda vida”.
Alexander gostava muito de classificar seu trabalho como “uma forma de controlar a reação humana”. Sob esta generalização pode-se incluir toda a forma de reação inconsciente e cega, e então chegamos à questão do auto-conhecimento.
Os maus hábitos musculares só prejudicam à própria pessoa; já os hábitos inconscientes de pensamento e emoção prejudicam à própria pessoa e aos outros, uma vez que determinam nossas reações ao mundo. Pode-se dizer que usamos as outras pessoas para praticar nossos maus hábitos inconscientes.
Os maiores sofrimentos e mal-entendidos que experimentamos ocorrem freqüentemente neste campo dos relacionamentos pessoais. É claro que estes estados emocionais estão refletidos no modo como nos usamos; raiva, ansiedade e medo (apenas para citar os mais comuns) aparecem aos olhos do mundo inteiro sob inconfundíveis atitudes corporais. Isto também é verdade no que diz respeito a condições mais particulares e interiorizadas como a depressão, a preocupação e a desesperança.
De certo modo os padrões de reação constantes e profundos são mais evidentes aos outros do que a nós mesmos.
Às vezes eu penso que existe um espírito sarcástico escondido em algum lugar do Universo, que permite que aconteça esse estado de coisas tragicômicas, em que certas características de uma pessoa são conhecidas e evidentes para todo mundo menos para a própria pessoa.
Existe uma coisa conhecida como “o estado do mundo”. Não importa em que época viva o homem, sempre haverá terríveis problemas conhecidos como “o estado do mundo”.
Na era primitiva, os animais selvagens e as tribos de saqueadores eram talvez as maiores preocupações – além dos fenômenos da natureza. Mais tarde seriam as pragas, as perseguições, a ilegalidade e a falta de respeito pela vida humana (nesse ponto as coisas não mudaram muito). E, como sempre, a guerra.
Um indivíduo pode fazer pouco a respeito desses grandes assuntos. Em escala menor, mais próxima, as outras pessoas também são um problema. A maior parte do tempo elas simplesmente não se comportam como gostaríamos. E mais uma vez há pouco a fazer neste caso, embora desperdicemos energia demais tentando modificá-las.
Como é então que podemos influir em alguma coisa? No curso da história, já nos foi dito várias vezes por sábios homens que o caos no mundo não é senão reflexo do caos dentro de nós — muito óbvio, por sinal.
Alexander nos ensinou que existe uma área principal de trabalho para cada um de nós: é trabalhar conosco no sentido de iluminar nossos hábitos inconscientes. É trabalhar para usar mais constantemente a única liberdade que possuímos – o momento que sofremos um estímulo — de modo a ter cada vez mais situações em que podemos escolher a nossa reação ao invés de sermos conduzidos pelo hábito a reagir como sempre fizemos no passado. Para isso precisamos estar presentes e conscientes, no momento crucial, para inibirmos antes de reagir.
Não temos liberdade para ditar o estado do mundo, mas apenas um controle limitado sobre os acontecimentos que nos afetam. Ainda assim podemos desenvolver um controle sobre a forma como reagimos a estes eventos. A liberdade no nosso ambiente e que diz respeito às reações dos outros também é limitada, mas nós podemos ter algum controle sobre o componente mais próximo do ambiente – nós mesmos.
Alexander costumava nos repreender por estarmos sempre tentando mudar e controlar as grandes coisas ao invés de mudar as pequenas coisas que estão ao nosso alcance. A inscrição em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo” resume tudo.
Com o passar do tempo temos visto que todos os verdadeiros professores da humanidade tentaram fazer com que as pessoas compreendessem exatamente isso, que a mudança só pode acontecer dentro de cada indivíduo. Sabemos que as novas idéias sempre começaram com uma pessoa e se espalharam lentamente à medida que mais e mais indivíduos recebiam e compreendiam o novo conhecimento.
A visão que Alexander tinha da possibilidade da evolução individual no desenvolvimento da consciência e da percepção individual foi a mola propulsora do seu trabalho. É este aspecto do seu ensinamento que o coloca entre os grandes professores da humanidade. E é justamente este aspecto que poderia se perder facilmente. Não seria absurdo supor que muitos teóricos cujos ensinamentos chegaram até nós também transmitiram às pessoas de sua época as técnicas práticas para que sua teoria pudesse ser ensinada. Se isto é verdade, a maior parte desta técnica foi perdida e esquecida, e ficamos com relatórios e escritos que hoje em dia pouco significam para nós. À propósito, um aluno meu, um médico, fez uma vez um comentário interessante: Alexander teria redescoberto o segredo do Zen para a nossa época.
Outro aspecto do ensinamento tradicional que vale a pena mencionar é a necessidade de se viver no presente. Este é um tema recorrente nos grandes escritos místicos. O Agora é tudo o que temos. Não podemos evitar um mau uso na semana que vem, nos direcionar amanhã ou mesmo controlar as reações que vão acontecer daqui a cinco minutos. Tudo isso precisa ser feito Agora. O fato de acharmos tão difícil ESTAR no presente e lidar com as exigências do presente momento da forma mais apropriada, também está – e eu poderia sugerir de modo imaginário – espelhado no modo como ficamos de pé. Como podemos ESTAR tão presentes e corretos se nossas cabeças estão caindo para o passado, nossos corpos se inclinando para o futuro e apenas os nossos pés estão firmemente ancorados entre o Aqui e o Agora?
Mas vocês podem dizer: “não sejamos tão sombrios”, e é claro vocês estariam certos. Nada pode ser alcançado com pessimismo e peso. É como disse um dos nossos alunos: “Se existe uma força de gravidade, também deve haver uma força de levitação”.
Na época em que era sua aluna, muitas vezes Alexander entrava na sala, olhava para todos os rostos sérios e graves dos alunos que se preparavam cuidadosamente para a aula e mandava-nos para um passeio em volta da praça dizendo: “Não é assim que se trabalha; é preciso um pouco de alegria e leveza”.
Uma das coisas mais agradáveis sobre ele era sua capacidade de se divertir e a recusa em ficar sério com relação a coisas que realmente não importavam. Ele gostava de algumas piadas que faziam sobre ele e as contava deleitado. Alexander sabia o que queria dizer “divertir-se”.
Em 1946, meu marido e eu saímos de férias para a Bretanha com Alexander e um Consultor da Rainha, um sul-africano de hábitos bastante caros. Estávamos quase no final de nossa estadia e esperávamos ansiosamente pela chegada de alguns cheques de viagem que pertenciam ao sul-africano. Enquanto eles não chegavam, o resto do grupo lhe emprestava dinheiro.
No último dia os cheques ainda não tinham chegado e nós conseguimos juntar apenas 1.600 francos para pagar uma enorme conta de hotel. Nos reunimos e decidimos que a única coisa a fazer seria enviar Alexander ao cassino na esperança de que ele pudesse recuperar nossas fortunas. Fomos todos juntos e ficamos de pé atrás de sua cadeira enquanto ele, com a maior compostura do mundo, seguia perdendo lenta e cuidadosamente cada centavo que possuíamos. É como ele dizia, em outro contexto: “Você não pode mudar o curso da Natureza, simplesmente coordenando a si próprio”.
No final tudo terminou bem, já que Alexander fez amizade com um jovem casal francês que estava hospedado no hotel, e eles concordaram em nos avalizar até que conseguíssemos retirar o dinheiro na cidade mais próxima.
Mas voltando aos seus ensinamentos. Como todas as coisas importantes, sua essência é invisível e frágil. Não resisto em citar uma bela passagem de Rilke que diz: “Esta é a criatura que nunca existiu, eles ainda não a conheciam, entretanto fascinavam-se com seu movimento — aquela suavidade; o pescoço, e mesmo o olhar contemplativo, calmo e sereno”. Lembro-me também da observação de Bernard Shaw: “Alexander chama atenção do mundo para testemunhar uma mudança tão pequena e sutil que só ele pode enxergar”.
Os ensinamentos de Alexander começam a despontar – eles só passam a existir quando alguém os utiliza. Assemelha-se, assim, à música: ela ganha vida quando alguém a toca e faz dela revelação.
Alexander costumava nos dizer que escrevia seus livros como uma forma de garantir que um registro de seu trabalho sobreviveria mesmo que os ensinamentos não tivessem continuidade. A sua esperança era de que neste caso, alguém pudesse ler os seus livros e reconstruir a parte prática. Agora sei que estes livros são alvo de muitas críticas. Mas sempre foi assim. Eles não são fáceis de se ler e certamente não foi fácil escrevê-los. Mas aí estão — nas palavras do próprio Alexander — para contar como ele resolveu o seu problema e o que achava que significavam suas descobertas.
Francis Bacon disse: “Alguns livros existem para serem saboreados, outros engolidos, e uns poucos mastigados e digeridos”.
Eu sugiro os livros de Alexander como obrigatórios para todos aqueles que levam a sério seus ensinamentos.
Ele é acusado de ser incompreensível. Eu gostaria de citar uma passagem de um livro recentemente traduzido por Merleau Ponty intitulado The Phenomenologhy of Perception. “A excitação é dominada e reorganizada para que fique semelhante à percepção que ela está para provocar”.
Não tenho a pretensão de saber exatamente o que o autor quer dizer, mas tenho a certeza de que ele está tentando comunicar algo importante. Até pode valer a pena estudar o livro para descobrir o que é. Assim acontece com os livros de Alexander — eles exigem estudo e dedicação para se extrair deles o melhor.
Antes da guerra eu tinha um aluno que estava de licença do serviço militar na Índia. Ele teve algumas aulas e depois voltou para sua unidade. Depois de dois anos ou mais ele voltou para Londres e teve nova série de aulas. Eu o parabenizei pela mudança que ele conseguira. “Sim”, disse ele, “eu tenho me esforçado bastante. Mas uma coisa me ajudou mais do que tudo. Eu colocava os livros de Alexander na mesinha de cabeceira e lia um capítulo por noite”.
No dia seguinte, contei a história a Alexander durante uma aula. Ele ficou um longo momento em silêncio e depois disse pensativamente: “É, e eu seria um homem melhor se fizesse a mesma coisa”.
Estes são, finalmente, os dois aspectos dos ensinamentos de Alexander. Primeiro, é uma forma de permitir que as leis naturais do organismo funcionem sem interferência — um meio de devolver o direito ao bom uso que temos ao nascer e todos possuímos enquanto criança. Alexander dizia: “Quando for feita uma investigação, será descoberto que cada pequena coisa que fazemos no trabalho é exatamente igual na Natureza, onde as condições são perfeitas. A única diferença é que aprendemos a fazê-las conscientemente”.
O professor ideal deve ser um artesão no uso das mãos, um cientista em sua adesão aos princípios sujeitos à “verificação operacional” e um artista na transmissão de seu conhecimento para os outros.
É grande a responsabilidade do professor para a continuidade do trabalho – especialmente se ele treina outros professores – no sentido de garantir que nenhum dos elementos essenciais dos ensinamentos se percam.
No segundo aspecto — a aplicação do trabalho a esferas mais profundas de nossa experiência – a distância entre o professor e o aluno desaparece.
O trabalho que cada um realiza em si próprio não tem fim. Estamos todos no mesmo barco.
Quando Alexander tinha quase 80 anos ele me disse: “Eu nunca parei de trabalhar em mim — eu não ousaria”. Ele sabia que os únicos limites deste tipo de desenvolvimento são aqueles que nos impomos.
Alexander continuou a ensinar até cinco dias antes do fim, aos 86 anos, e então, tendo recusado todas as drogas que poderiam privá-lo desta sensação, teve a rara distinção de estar presente à sua própria morte.
Esta noite nos lembramos dele, mas a homenagem que mais agradaria a ele seria realizarmos o seu trabalho.
Marjory Barlow – “The Teaching of F. Matthias Alexander”
Marjory Barlow formou-se professora da Técnica Alexander em 1936. A partir desse ano foi assistente de F.M.Alexander em seu curso de treinamento. De 1950 a 1980 dirigiu seu próprio curso de treinamento.
Palestra na Conferência Anual em homenagem a F.M.Alexander
09 de novembro de 1965 – The Medical Society of London.
Tradução: Marcia Cunha
Revisão: Roberto Reveilleau