W.H.M. Carrington.

Diretor de The Constructive Teaching Centre Ltd.

18 Lansdowne Road – Holland Park

London – W. 11.

1. Introdução:

“É inegável que nós mesmos somos os agentes em tudo o que fazemos ou tentamos fazer. Isso é um truísmo, Entretanto, geralmente, não se diz que a coisa mais difícil de se perceber é justamente aquela que está mais próxima de nós mesmos, aquela que é mais constante e familiar.

 

I “Essa ‘coisa’ mais próxima somos nós mesmos, nossos próprios hábitos e maneira de fazermos as coisas, nós, como agentes condicionantes sobre tudo o que fazemos ou tentamos fazer.

 

“Através da ciência moderna, temos dominado admiravelmente o uso de coisas como ferramentas para atingirmos resultados sobre outras coisas e através delas.

 

‘O resultado beira um estado de confusão universal, descontentamento e conflitos. O único fator que nunca veio a ser estudado como ferramenta central é a ferramenta primária no uso de todas as outras ferramentas – isto é, nós mesmos – em outras palavras, nossa própria disposição psico-ffsíca como condição básica do emprego de todas as ações e energias.

 

“Não seria altamente provável que essa lacuna explicasse porque ao manipular estas forças físicas, nós mesmos estaríamos sendo manipulados por elas, tanto que nós nos consideramos incompetentes para dirigir a história e o destino do homem?

 

“Creio nunca anteriormente ter havido uma consciência tão aguçada do fracasso de todos os remédios atualmente existentes, do fracasso de todos os remédios e forças externas ao indivíduo isolado. Um possível caminho consistiria em ressaltar a necessidade de retomo ao indivíduo como agente primordial em qualquer feito conquistado coletivamente pela humanidade ou sociedade, e também em apontar a necessidade de se definir esta condição primordial do que pode ser conquistado pela humanidade como um todo. Um outro caminho consistiria em se descobrir o procedimento concreto, essa coisa indispensável, através do qual esta tarefa importantíssima poderia ser executada.

 

“Esse cantinho indispensável, é exatamente o que o Sr. Alexander conseguiu atingir”.

 

O professor John Deweyl, que escreveu essa memorável declaração, é considerado o pai da educação americana; ele certamente foi um dos maiores filósofos educacionais de todos os tempos.

 

Aqui, ele define a essência do nosso problema em termos simples – o entender do Homem, o entendimento de nós mesmos. Ele também declara breve e enfaticamente que a Técnica Alexander é um meio através do qual a tarefa pode ser cumprida com sucesso.

 

Tal declaração, vinda de tal fonte, tem que ser de interesse particular quando o tópico da perfectibilidade humana está sendo levado em consideração, como de fato está sendo nesse periódico: e certamente tem que ter alguma relevância sobre a hipótese Sistemática2. Além disso, ela parece ter certa originalidade de conteúdo e tratamento), sendo, portanto, uma possível contribuição para o melhor entendimento do desenvolvimento humano.

 

Em todo o caso, uma vez que a sistemática, ou o estudo de sistemas, tem sido definida como o instrumento apropriado para o desenvolvimento do entendimento – em contraste com a ciência, o instrumento para o desenvolvimento do conhecimento – e o entendimento é uma relação especial entre as diferentes partes da nossa experiências segue-se então que a apreciação sistemática do trabalho de F. Matthias Alexander não poderia deixar de ser proveitosa.

 

No entanto, a dificuldade de entendimento do trabalho de Alexander será brevemente explicada. Enquanto isso, é altamente sígnificante que Dewey o considera como um procedimento concreto para a execução da tarefa mais importante – a do retorno ao indivíduo como o agente primordial em qualquer conquista coletiva da espécie ou sociedade.

 

F. Matthias Alexander foi um indivíduo único que reagiu a um conjunto ordinário de circunstâncias de uma maneira extraordinária. Ele nos conta toda a estória em detalhes em um de seus livros The Use Of The Self 4 – ‘O Uso De Si Mesmo’. NT1 Recapitulando brevemente, quando jovem (nascido na Tasmânia em 1869), ele percebeu que sua carreira como ator e recitador de obras Shakespearianas estava sendo comprometida pela rouquidão freqüente e pela perda da voz, devido, corno lhe foi dito, à irritação da membrana mucosa da garganta e nariz, e à inflamação das cordas vocais. Nenhum tratamento, senão o descanso, parecia aliviar o sofrimento, embora lhe tenha sido assegurado que seu mecanismo vocal estava organicamente perfeito. Ocorreu-lhe, portanto, de se perguntar a simples questão: O que é que ele estava fazendo de errado quando falava, que poderia ser responsável por tal condição. Esta não era uma questão retórica, mas o primeiro passo para uma série de experimentos práticos que o levou a algumas descobertas de grande importância prática.

 

 

2. Alexander e seu processo de desenvolvimento:

 

Eu não tentarei descrever aqui os detalhes dessas experimentos, porque isso foi feito exaustivamente pelo próprio Alexander no seu capítulo intitulado ‘Evolution Of A Technique’ (op.cit.) “Evolução De Uma Técnica’. Seria suficiente dizer que estes experimentos consistiram de uma longa série de detalhadas auto-observações feitas com a ajuda de espelhos. No entanto, tem-se muito mais o que dizer sobre os termos usados na sua narrativa e sobre a aplicabilidade geral de suas conclusões, do que da situação peculiar de seu próprio caso.

 

Seus experimentos levaram-no a estudar processos de cuja natureza ele sabia muito pouco e, de fato, dos quais muito pouco é sabido por qualquer pessoa. Mesmo hoje, no que se refere à observação experimental, o organismo humano como um todo é um território altamente desconhecido. A natureza da relação entre corpo e mente é ainda indeterminada. A precisa relação entre o que nós chamamos de aspectos voluntários e involuntários do comportamento humano é ainda desconhecida: e apesar de dispormos de um volume de conhecimento consideravelmente maior do que antes (no início da carreira de Alexander) sobre a estrutura e funcionamento do sistema nervoso, a natureza exata dos processos de querer e desejar, de escolha e seleção de resposta, do pensamento e sentimento, e de todos os outros processos denominados mentais dos quais nós somos subjetivamente conscientes, ainda é em geral um mistério.

 

Foi a compreensão disso que levou Alexander a escolher termos para suas necessidades descritivas que fossem, ao mesmo tempo, os mais simples e os menos comprometidos possíveis. Ele viu que a linha divisória entre voluntário e involuntário era muito opaca para que pudesse ser definida com precisão. Entretanto, aparentemente, alguns atos são tomados, ou não, por escolha, enquanto muitas das atividades do organismo vivo parecem ser automáticas – praticamente – tomadas por elas mesmas. A essa última categoria de atividades ele se referiu como “funcionamento”, enquanto que ao processo de controle de todas as ações que ele aparentemente podia controlar, como ‘uso’.

 

Assim, em sua série de experimentos iniciais, concebidos para responder à questão do que estava sendo incorretamente feito quando ele falava, ele observou que puxava a cabeça para trás e para baixo, comprimindo a laringe (estrutura cartilaginosa na garganta, que contém as cordas vocais) e inspirava o ar através da boca de tal forma que produzisse um som arfado. Esses eram logicamente erros de vocalização: a inspiração de ar pela boca sendo um erro grave e em voga na época, até mesmo entre profissionais do uso da voz, a compressão da laringe, uma causa, bem conhecida entre os locutores, que produzia um tom rachado e que soava como estar forçando o mecanismo vocal. Puxar a cabeça para trás, no entanto, embora sendo um hábito praticamente universal não tinha sido correlacionado aos outros dois erros. Ele mais tarde referiu-se a isso como ‘mau uso” das partes concernentes porque ele descobrira que a sua prevenção não só reduzia a tendência dos outros erros mas também levava a um aperfeiçoamento palpável na condição subseqüente de sua garganta e cordas vocais quando elas eram clinicamente examinadas. Isso, ele disse, foi a primeira informação que chamou sua atenção para a influência do ‘uso’ sobre o ‘funcionamento’: em outras palavras, a mudança no uso que ele pôde promover, produzia um efeito significativo no funcionamento dos seus mecanismos (vocal e respiratório). Pode-se pensar que este seja um truísmo; mas a longa experiência tem mostrado que a grande maioria das pessoas não tem tal consciência.

 

O próximo passo seria revelar o que poderia ser um uso aprimorado do seu mecanismo vocal: foi nessa série de experimentos que ele fez a sua mais importante descoberta. Ele descobriu que as melhores condições para a sua laringe e mecanismo vocal e a menor tendência para a rouquidão estavam associados ao ‘alongamento da estatura’. Assim ele detectou pela primeira vez o problema atualmente referido como funcionamento “anti-gravitacional’ do organismo.

 

Cabe lembrar que, no seu tempo, a pesquisa moderna da fisiologia da postura estava ainda adormecida num futuro distante. Ninguém tinha feito um estudo sistemático da inter-relação entre o organismo humano e o seu meio. O efeito da força gravitacional tinha, até então, atraído poucas investigações sérias ou interesse científico. Foi somente há poucos anos atrás, desde que nós começamos a exploração do espaço além da atmosfera terrestre, que muito foi descoberto sobre esta força. Até então, ninguém havia falado que ‘os vôos de longa distância do futuro não poderiam ser feitos sem uma espécie de gravidade artificial dentro da espaçonave. Caso contrário, as células sangüíneas dos astronautas morreriam e seus músculos se desintegrariam” (extraído de uma recente conferência sobre medicina espacial)s.

 

Desde a aurora dos tempos, o homem vem fazendo experimentos práticos a fim de descobrir qual seria o melhor uso de seu corpo para toda e qualquer necessidade.

 

P(-5de-se dizer que esta é a primeira lição que a criança da espécie humana tenta aprender imediatamente após seu nascimento. Ela se movia no útero, mas agora ela tem que se mover por conta própria sem a assistência do fluido amniótico; a partir de agora ela precisa aprender a lidar com a força da gravidade sozinha. Durante um longo e duro período de tentativa e erro, muitos de nossos semelhantes aprenderam as vantagens de porte e equilíbrio, liberdade do movimento, leveza e rapidez nos pés. Fazendo isso, eles também experimentam os benefícios que esse jeito de usarem a si próprios traz para o funcionamento de todos os seus órgãos e sistemas. Mas é duvidoso que eles tenham reconhecido essas conseqüências conscientemente, em termos de causa e efeito.

 

Certamente, até recentemente ninguém tinha feito qualquer estudo do ser humano corno um organismo existente fora de um campo gravitacional; nem tampouco considerado os problemas específicos da relação do corpo humano com a força da gravidade. Alexander não o fez nesses termos abstratos, mas ele encontrou a solução para o problema de uma maneira prática. Quando usava sua voz, ele via que precisava não apenas evitar a diminuição de sua estatura, mas positivamente promover um alongamento – o uso máximo do seu mecanismo anti-gravitacional.

 

 

3. O Homem Como Unidade:

 

Conforme foi progredindo em seu trabalho, Alexander surpreendeu-se mais e mais com a óbvia unidade do ser humano. Ele chegou a perceber que “mente” e ‘corpo’ eram termos não somente inúteis, mas positivamente enganadores quando aplicados àquela imagem viva de si próprio que via quando se olhava no espelho. Evidentemente, o organismo humano não só funciona como um todo, mas se podemos afirmar que nós ‘usamos’ qualquer parte de nós mesmos, então seria verdade dizer que, de fato, nós usamos nós mesmos como um todo. Desse modo, Alexander foi conduzido à concepção de um uso habitual, combinado e errôneo de seus mecanismos físico-mentais como um todo, trazida ‘a tona pelo seu desejo de falar ou, de fato, de realizar qualquer outra ação.

 

Essa foi a verdadeira causa da condição aguda de sua laringite e, também, de outros defeitos no seu funcionamento como um todo.

 

Sua tentativa de mudar e aprimorar esse padrão habitual e combinado de ,seu uso’ errôneo o levou a descobrir que existia um controle primordial, NT2 do uso do organismo humano como um todo, – uma forma harmonizada de usar todas as partes do indivíduo de tal maneira que o funcionamento anti-gravitacional seria facilitado a um ponto máximo, – e isso, ele acreditava, formava a base indispensável para atingir o nível mais alto possível do funcionamento geral de todas as partes e sistemas envolvidos.

 

Ele descreveu esse ‘controle primário’ em detalhes, como um mecanismo envolvendo uma certa relação do uso da cabeça, pescoço e outras partes do corpo. Segundo ele, era necessário posicionar a cabeça para a frente e para cima a fim de alongar o corpo (crescer em estatura), mas que só isso não bastava, ele precisava fazê-lo de tal forma que evitasse o estufamento do peito, proporcionando, simultaneamente, o alargamento das costas. Positivamente, para ser entendido, tal processo depende de uma demonstração prática.

 

No entanto, seria correto dizer que esse processo envolve muito mais que uma simples ordem para levantar ou andar ereto. Obviamente, essa experiência não pode ser reproduzida sem instruções detalhadas, ou uma repetição cuidadosa do processo experimental que o próprio Alexander percorreu.

 

Apesar do processo anti-gravitacional nos seres vivos ainda ser muito misterioso, ele é, obviamente, um dos requisitos primários da vida. Não pode haver dúvida alguma que cada um de nós dispõe de um mecanismo anti-gravitacional. Ele funciona todo o tempo para nos sustentar enquanto vivemos, sustenta a estrutura do corpo, evitando o desmoronamento do próprio e propicia o funcionamento de todas as atividades vitais do organismo, Sem ele, a vida seria impossível de ser sustentada, pois todos os nossos principais processos (de respiração, circulação e digestão, sem falar no de locomoção), cessariam. É também evidente que esse mecanismo trabalha mais eficientemente em algumas pessoas do que em outras: e no mesmo indivíduo, algumas vezes melhores do que em outras. Ao demonstrar o ‘controle primordial’, como ele o chamou, Alexander demonstrou não somente o efeito geral do mecanismo anti-gravitacional mas, também, uma maneira prática através da qual o indivíduo pode assegurar um funcionamento constante de suas funções para seu melhor proveito.

 

Claro que essa demonstração do controle primordial envolveu, além de seu aspecto antigravitacional, muitas outras considerações e experiências. Todo o problema do que ele chamava direção tinha que ser enfrentado. Nós consideramos algumas de nossas ações como voluntárias e outras como involuntárias, porém, conhece-se extremamente pouco sobre precisamente como nós decidimos levar a cabo uma ação voluntária e, muito menos ainda, sobre como nós a desempenhamos.

 

O fator de ‘sensação’ aparentemente contribuí para tal; porque, de alguma forma, o que nós chamamos de nossas sensações nos diz o que é certo ou errado, e nor-nalmente nós agimos de acordo com elas. Esse sentimento é, no entanto, mais do que uma mera percepção sensorial e, claramente, o processo envolve mais do que sabei-nos sobre o funcionamento do mecanismo sensorial como um todo. Por exemplo: ele é parcialmente consciente – ou não saberíamos da existência dele; mas ele é altamente subconsciente – geralmente, nos surpreendemos com a análise de nossas motivações. Geralmente, não sabemos com precisão porque nós ‘sentimos’ da maneira como sentimos; mas sabemos que as nossas sensações não são sempre confiáveis. No entanto, o processo todo é inqüestionavelmente distingüível, nós diríamos, “em teoria”, do que nós chamamos de ‘raciocínio’; embora, na prática, a diferença é muito mais difícil de ser estabelecida.

 

A noção do que acontece com o nosso corpo é, em ampla escala, governada por sentimento e principalmente pelo sentimento/sensação a um nível sub-consciente. Isso é certamente o que dificulta a diferenciação entre o voluntário e o involuntário, entre o deliberado e o automático, entre ‘livre-arbítrio’ e ‘determinismo” (o corpo continua agindo mesmo que a nossa mente esteja abstraída).

 

Parece, no entanto, que dispomos de um mecanismo de escolha e decisão consciente, pelo menos em certos sentidos, e essa escolha que estamos prestes a fazer Alexander denomina “Direção consciente do pensamento”. Ela funciona nos capacitando a (a) verificar o que precisamos fazer, ou o que nós queremos fazer, ou o que nós devemos fazer, (b) determinar a melhor maneira de fazê4as, e (c) fazê-las. Alternativamente, ela nos capacita a (a) ver o que precisamos fazer, ou o que não queremos fazer, ou o que não necessitamos fazer, (b) determinar corno evitar fazê-las, e (c) não fazê-las. Esse último processo Alexander denominou ‘Inibição’ e, com razão, ele o considerava o mais importante dos dois.

 

Na vida e na natureza, as ações e eventos tendem a fluir com seus próprios ‘impulsos’, por assim dizer. Urna coisa leva à outra em todos os níveis de funcionamento, sendo normalmente mais difícil parar do que começar; na verdade, normalmente nós temos que parar antes de poder começar.

 

Assim, essa forma de ‘direção consciente’ é a ferramenta indispensável para realizar uma mudança no que se refere a hábitos – e estes, estando associados a sentimentos, são muito mais relevantes ao comportamento geral do que gostaríamos de admitir. Alexander provou que apenas através desta maneira ele conseguia fazer uso do controle primordial e, assim, mudar e aperfeiçoar o seu ‘funcionamento geral’ e sua maneira de ‘usar-se a si próprio’.

 

Dessa forma prática, ele antecipou os resultados de uma outra linha de pesquisa científica importante, até então não cogitada.

 

Hoje em dia, em biologia, a Inibição é concebida como ‘um processo positivo do sistema nervoso, um mecanismo de integração que mantém a integridade do indivíduo, enquanto sustenta as bases para a diversificação e diferenciação em crescimento e ação,6. Primitivamente, o sistema muscular dos vertebrados tendia a trabalhar no princípio de ‘tudo ou nada”; mas, através de um mecanismo nervoso de controle, chamado inibição, torna-se possível a ação seletiva sem que qualquer parte atrapalhe as outras. Um ato complicado, como tocar piano, seria impossível sem este controle inibitório, exercitado pelo sistema nervoso. Na verdade, quando, devido a uma estimulação excessiva ou a uma outra causa, o controle inibitório se rompe, o resultado é caótico.

 

A concepção de Alexander do exercício de uma inibição consciente do pensamento é então relacionada com um processo fundamental no organismo, do mesmo modo que a sua concepção da direção consciente do pensamento é relacionada com aquele processo de sensação familiar e semiconsciente, através do qual aparentemente conduzimos os nossos atos. Alexander não depreciou a importância do sentimento, vindo a reconhecer, através de seus experimentos, que nós somos levados a um mau uso de nós mesmos – porque os sentimentos geralmente se tornam corrompidos, com sérias conseqüências para o nosso funcionamento geral. O nosso poder de inibição é freqüentemente assolado por todo o cansaço e superestimulação das nossas vidas diárias. Ele precisa ser desenvolvido com uma base racional e consciente, da mesma forma que os nossos sentimentos devem ser retificados e suplementados pelo exercício de uma inteligência racional.

 

Resumindo os experimentos de Alexander e os seus resultados: ele revelou que o bom uso de sua voz dependia dos três fatores acima explicados; Inibição, Controle Primordial e Direção Consciente. Sem o exercício da Inibição racional, o sentimento e hábito dominavam a sua intenção de falar e ele falava do mesmo modo usual. Sem a Direção consciente, era impossível empregar corretamente o mecanismo do Controle Primário, assegurando assim a ação apropriada do mecanismo antigravitacional – o mecanismo que determina a relação básica entre um organismo vivo e suas partes, e entre o organismo como um todo e o seu ambiente,- o é fundamentalmente disso que um funcionamento saudável depende. Sem empregar todos esses três fatores juntos, não é possível ganhar a experiência necessária para saber como fazer o ‘uso de si próprio’, e fazê-lo da melhor forma possível, relativo à missão dada.

 

As palavras ‘relativo à missão dada” expressam o cerne da questão. Alexander acreditava que através de sua Técnica, deveríamos ser capazes de promover uma mudança fundamental na nossa maneira de reagir a estímulos. Ao invés de desejar, de querer, de precisar, de sentir ou pensar, o que evocaria automaticamente as nossas respostas habituais, ou pelo menos nos lançaria em reações cujas linhas são predeterminadas e já habituais, deveríamos ser capazes de condicionar de tal forma a natureza de nossas respostas, para que estas sejam tanto racional quanto psicologicamente as melhores para qualquer propósito. Em outras palavras, deveríamos ser capazes de fazer o melhor que pudéssemos em qualquer circunstância, limitados somente pela nossa inteligência racional e experiência e à necessidade de Preservar o mais alto padrão possível do nosso funcionamento geral. Isso foi o que Dewey chamou de ‘procedimento concreto”, ao qual ele concedeu suprema importância e do qual, seguindo o exemplo de Alexander, tentou fazer uso na última etapa de sua vida.

 

 

4. Resposta à Técnica Alexander

 

Não é surpreendente, tendo em vista a sua originalidade, caráter lógico e antecipação das descobertas da ciência moderna, que o trabalho de Alexander não seja mais bem conhecido hoje em dia? De fato, há muito mais gente vagamente familiar com seu nome do que com o que ele descobriu, ou com os fundamentos de sua Técnica.NT3

 

Essa demora no reconhecimento é provavelmente devida a muitos fatores. Algumas pessoas reclamam da maneira obscura e difícil à leitura de seus escritos. Outras acham sua insistente ênfase na expressão ‘si mesmo’ de mau gosto. Outras consideram-no um excêntrico da área de ‘saúde” ou “postura; e outras o têm corno um charlatão, um ignorante e pretenso ‘expert’ de uma ciência nãoexistente.

 

Quanto às objeções que podem ser rotuladas como psicológicas, essas são suficientemente reais para muitos de nós. O tópico ‘si mesmo’ é carregado de emoção. Percebemos com facilidade qualquer crítica, mesmo que implícita, ressentindo-nos rapidamente dos seus efeitos; e tantas palavras envolvendo a noção de si mesmo sugerem repreensão! Poucos de nós somos suficientemente felizes e seguros, auto-confiantes na persona com a qual nos apresentamos para o mundo, para permitirmos examinar de perto as nossas próprias idiossincrasias, e muito menos para vê-Ias examinadas publicamente, por mais objetivamente que o sejam.

 

Ou ainda, há outros a quem o corpo parece ser uma carga enfadonha – a ser vestida, alimentada, descansada, lavada, transportada e, enfim, cuidada ao preço de tempo e energia que poderiam ser gastos com outras coisas mais interessantes e agradáveis. Para tais pessoas, ti assunto todo é desinteressante.

 

Existem ainda aqueles que abominam a palavra ‘postura’ – e, de algu-ma forma, associam-se as idéias de Alexander a postura. DL- fato, esta palavra acabou por ter algumas das mais infeIizes conotações. Ela sugere formas de sentar, levantar, de prestar a atenção, de executar movimentos treinados. Esta palavra implica em um esforço anti-natural, artificial e doloroso, a ponto de tornar sofrido o processo de auto-conhecimento e auto-conscíência. Existe um sentimento instintivo que isso não pode estar certo; porém, de alguma forma, isso passou a ser encarado como virtude, imbuído de algum senso de ‘retidão’ moral. Como o Dr. F.R Jones escreveu – “A idéia de uma melhor postura parece ocorrer quase que universalmente em nossa cultura. Qualquer um que tenha sido indagado garantia saber o que é uma boa postura, apesar de freqüentemente se desculpar por não praticá-la.7

 

Finalmente, há pessoas que sentem que qualquer coisa pessoal e individual t, subjetiva deve ser suspeita e não pode ser de maneira alguma científica. Essas pessoas prontamente aceitam o fato que Alexander provavelmente gozava de algum dom pessoal fora do comum; elas, no entanto, questionam se essa dádiva pudesse ser passada adiante.. Com isso, elas se livram de qualquer obrigação de se aprofundar no assunto – de fazer algo em favor delas próprias – e enquanto elas considerarem a proeza de Alexander como única, elas não a consideram uma séria contribuição à ciência.

 

Esse aspecto da questão vai ser discutido mais tarde; por enquanto, o que não foi levado em conta é a dificuldade inerente do próprio assunto. Essa dificuldade se baseia na proporção entre o conhecido e o desconhecido.

 

 

5. O Empírismo de Alexander.

 

O progresso da antiga psicologia filosófica se deu através de um processo de dedução a partir de hipóteses, geralmente insuficientemente fundadas em fatos. A moderna psicologia fisiológica, por outro lado, tem se desenvolvido por um processo de indução, geralmente a partir de fatos esparsos e observações muito limitadas. Nos dois casos, leva-se pouco em conta o pequeno montante que é conhecido em comparação com o que resta a ser descoberto. A vantagem do método empírico de Alexander repousa no fato de que ele não foi forçado a assumir que sabia o que não sabia, ele não precisava formular hipóteses que iam além dos fatos observados. Ele pôde usar termos e procedimentos simples, considerando tudo o que ele não sabia, porque em cada estágio de seu trabalho os seus resultados eram sujeitos a um processo de verificação operacional. Como na vida, uma coisa levou a outra.

 

O estudo científico do comportamento sempre tende a ser viciado por unia preocupação com produtos finais ao invés de processos. No âmbito da ciência pura, não se diria que a matemática, a física e a química se preocupam mais com processos do que resultados? No seu trabalho, Alexander sempre condenou a avaliação pelos resultados; para ele, a natureza do processo sempre foi mais importante.

 

A dificuldade deste tipo de estudo foi brilhantemente analisada pelo Sir Charles Sherrington, o grande pioneiro do estudo moderno do sistema nervoso, em seu livro Man On His Nature 8 ‘O Homem Na Sua Natureza’. Ele escreveu: “Tome o ato de ficar em pé. Suponha que a atenção de minha mente esteja toda voltada para isso. Eu passo, então, a ficar completamente consciente de que estou em pé. Parece me um ato razoavelmente simples de realizar. Eu me lembro, no entanto, que isto não pode ser tão fácil assim. Para executá-lo, necessita-se, entre outras coisas, da ação apropriada de vários músculos e nervos, algumas centenas de milhares de fibras nervosas e, talvez, de alguns milhões de fibras musculares. Eu percebo que várias partes do meu cérebro estão envolvidas na coordenação de tudo isso, e que, ao fazer isso, a precisão da ação do meu cérebro depende da recepção e envio de milhares de mensagens nervosas registrando e ajustando pressões, tensões, etc. em várias partes de mim. Lembrando disso, fico ligeiramente desapontado do pouco que a minha mente pode me dizer sobre o ato de ficar de pé. Quando a minha mente está voltada para o meu estado de ficar em pé, pode-se dizer que eu tenho a consciência completa de que eu estou de pé, mas para me dizer como é que posso estar de pé ou me ajudar a analisar a minha posição em pé, muito pouca informação eu posso obter dela. A principal conclusão a que posso chegar é a asserção inequívoca que sou ‘EU’ que estou de pé.

 

“… Se o ato de ficar em pé toma muito tempo, similarmente obtenho uma certeza inequívoca que seu ‘EU’ que estou cansado de ficar em pé. Parece que esse poder que está em mim, que se identifica comigo, se auto-denomina ‘EU’ e deseja que o corpo sente e o corpo senta, não sabe como o corpo faz essas coisas. Por todo o seu esforço e por toda a atenção que ele possa prestar, ele não parece capaz de penetrar no ato pelo qual, entretanto, ele se responsabiliza. Ele mesmo não pode pensar no modo ‘como o corpo está fazendo essas coisas”.

 

No seu livro posterior, The Endeavour of Jean Fernel 9 ‘O Esforço de Jean Fernel’, Sherrington dá continuidade ao mesmo argumento – “O elemento reflexo no movimento ou postura que, por ser inconsciente, é o principal opositor de nossas tentativas em saber como executar até mesmo um ato consciente. Respirar, ficar em pé, andar, sentar, apesar de serem ações inatas, juntamente com o nosso crescimento, estão sujeitas, como movimentos, a sofrer defeitos dependendo de ‘como’ as executamos. Uma cadeira não apropriada a uma criança pode rapidamente induzi-la a maus hábitos de sentar e respirar. Em comunidades urbanizadas e industrializadas, os maus hábitos nos nossos atos motores são especialmente comuns. No entanto, é muito difícil lidar com instruções verbais relacionadas com a correção de hábitos errados de movimento e postura. A nossa limitada percepção sensorial de como os executamos é o que cria esta dificuldade. Os erros tendem a escapar à nossa observação e reconhecimento direto. Não temos consciência dos reflexos proprioceptivos corno tais, seja de músculos ou do ouvido (vestíbulo). Não temos qualquer percepção direta do “fluxo” do líquido dos labirintos ou, de fato, nem mesmo da existência dos próprios. Nesse caso, a projeção subjetiva, ao invés de iluminar, obstrui o local de sua origem objetiva. Corrigir os movimentos realizados pelos nossos reflexos proprioceptivos eqüivale a reajustar uma máquina cujo mecanismo é intangível e de cujo funcionamento conhecemos apenas o resultado final. As instruções em tal ato têm que se apoiar em outros fatores mais acessíveis aos sentidos. Ao patinar, por exemplo, devemos nos concentrar na sensação que o contato da borda da lâmina faz com o gelo. A observação de um outro patinador praticando o movimento pode ser de grande ajuda; ou mesmo, se nos olharmos no espelho ao tentar fazê-lo. O espelho pode nos dizer mais do que o mais árduo intento de “introspecção’. O Sr. Alexander contribuiu para tal através de insistentemente tratar cada ato como uma mobilização completa do indivíduo, o mecanismo psicoffsico humano em sua integridade. Dar um passo é uma atividade não desse ou daquele membro isolado, mas de toda a atividade neuro-muscular do momento – sem mencionar a cabeça e o pescoço.”

 

Este é um resumo abrangente das dificuldades que Alexander encontrou ao lidar com suas auto-observações – literalmente, as dificuldades práticas de todo o problema – tendo um interesse particular por ser de autoria de Sir Charles Sherrington, que em seu tempo sabia provavelmente mais do que qualquer outro sobre os aspectos científicos do problema. Charles Sherrington não era o único entre os cientistas especialistas a reconhecer a necessidade de estudos especiais do “homem psico-ffsico integral”. Também. O professor Rudolf Magnus, o qual fez a clássica série de pesquisas sobre os fatores controladores das mudanças da postura animal em relação à gravidade e sobre tônus muscular através do qual tal postura é mantida descreveu o estudo do homem psico-físico integral como uma necessidade fundamental de todos os pesquisadores científicos.

 

Tendo em mente o que foi previamente dito sobre os achados experimentais de Alexander, as seguintes citações, extraídas dos escritos de Magnus, são de interesse: 10

 

‘É possível, impor sobre todo o corpo diferentes atitudes adaptadas, através apenas da mudança da posição da cabeça… o mecanismo como um todo age de tal forma que a cabeça lidera e o corpo segue… O corpo inteiro segue a direção assumida pela cabeça, que freqüentemente é movida em uma certa direção sob a influência dos nossos órgãos dos sentidos telereceptivos. Isso propicia uma das formas pelas quais a relação do corpo com o seu ambiente é regulada.

 

‘Nós temos em nossa espinha dorsal um aparato agindo subcorticalmente que controla e ajusta a posição do nosso corpo, esteja ele ereto ou deitado em relação ao espaço. Esse mecanismo, que age inconscientemente pela cooperação de diferentes reflexos complicados, restaura o nosso corpo para a posição normal quando este é deslocado; este mecanismo persiste em animais, mesmo depois da extirpação do cérebro. A “posição normal” do homem ou do animal está continuamente sendo perturbada pelos diferentes movimentos arbitrários acarretados pelo córtex cerebral, mas o mecanismo subcortical dos “reflexos de endireitamento’ contrabalança esses distúrbios e restaura novamente o corpo para a posição normal. Dessa forma, todos os sentidos do corpo recuperam as suas precisas relações com o mundo exterior.

 

“Também é urna condição essencial para a interpretação correta de todas as impressões sensoriais atingindo o córtex que o corpo seja sempre retomado à posição normal simplesmente pelo arranjo sub-cortical automático que controla a relação espacial do corpo com o seu meio.

 

“Pela ação dos mecanismos subcorticais descritos nessas conferências, os diferentes órgãos dos sentidos são sempre colocados na relação normal com o mundo exterior.. De todos esses arranjos resulta que os órgãos dos sentidos são endireitados em relação ao mundo exterior, de tal forma que cada impressão sensorial, antes de ser transferida ao córtex cerebral, já adquiriu uma certa condição especial (sinal local) dependendo da atuação prévia das funções de endireitamento sobre todo o corpo ou suas partes.’ Finalmente ele diz:

 

‘Fica claro o importante papel representado pelo aparato fisiológico em nossas funções psíquicas a partir do que se viu. Nós possuímos numerosos mecanismos atuando em parte subcorticalmente e subconscientemente, os quais preparam com antecedência o trabalho para a nossa psique, e cujos resultados são a priori presentes antes das observações sensoriais e das suas apreciações psicológicas começarem. Urna vez que todo o estudo, análise e entendimento dos eventos do mundo exterior é conduzido através dos sentidos, o pesquisador científico certamente deve saber quais mecanismos fundamentais do seu corpo e de seu sistema nervoso determinam os resultados do seu trabalho.’ 11

 

A partir do que foi exposto, será evidente que, pela natureza não-ortodoxa e individual do trabalho de Alexander, seus achados não diferiam substancialmente de outros trabalhos científicos no campo. De fato, urna evidência desse aspecto do assunto poderia ser expandida consideravelmente. A maneira pela qual suas observações concordam com certos princípios aceitos na biologia já tinha sido mencionada: evidentemente, o professor G,E. Coghill não estava dentre os que achavam os escritos de F.M. Alexander obscuros quando escreveu – “Eu estou… maravilhado em ver como você, anos atrás, descobriu na fisiologia e psicologia humanas o mesmo princípio que eu descobrira no comportamento dos vertebrados inferiores.” 12

 

No entanto, este é o território especial do Dr. Frank Pierce Jones, da Universidade de Tufts, cujo programa atual de pesquisaNT4 ‘ patrocinado pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, está investigando a relação entre os procedimentos de Alexander e o conjunto do nosso conhecimento anatômico e fisiológico, através de eletromiografia e fotografias de múltiplaimagem. l3

 

 

6. Verificação Operacional:

 

No entanto, a prova final do trabalho de Alexander apoia-se, como ele costumava dizer, em sua verificação operacional. É sempre prudente e legítimo exigir a prova de uma prova, isto é, mostrar que os procedimentos envolvidos, na verdade, demonstram o que deveriam. Os procedimentos de sua Técnica são a sua própria validação. A repetição dos experimentos de Alexander é, portanto, a única forma genuína de testar as conclusões dele. Mas isso não é fácil. Quando o Professor Magnus quis confirmar algumas descobertas de Goethe sobre a visão em cores, ele foi até Weimar para tomar emprestado os instrumentos do museu, de forma que pudesse repetir os experimentos com o mesmo aparato usado por Goethe.

 

Nós não podemos usar o mesmo aparato que Alexander usou, porque ele usou a si próprio; devemos nos satisfazer com nós mesmos – sem o seu gênio. Temos uma compensação, entretanto: enquanto ele teve que depender dos espelhos para verificar as suas próprias observações subjetivas, nós temos, adicionalmente, os olhos e mãos de um professor.

 

A Técnica, conforme é ensinada, difere inevitavelmente da seqüência dos experimentos do próprio Alexander, foi através de observações que ele foi capaz de entender e, assim, vivenciar novas experiências. Nós dispomos, inicialmente, da experiência, pelas mãos do professor, enquanto que as observações e o entendimento somente ocorrem gradualmente. Foram necessários pelo menos dez anos para que Alexander desenvolvesse a Técnica – e mais do que uma vida para aperfeiçoá-la. Normalmente, espera-se aprendê-la em cerca de 30 a 40 lições – urna questão de 15 a 20 horas de instruções NT-5. em seguida, é claro, nós aprendemos a pô-la em prática por nossa própria conta.

 

A nova experiência é absorvida com razoável rapidez a partir das mãos de um professor: é o entendimento que demora. A prática de urna “inibição e direção consciente e racional” exige um entendimento muito completo, assim como um alto padrão de funcionamento geral. Inicialmente, há muito pouca compreensão, muito pouca inibição, consciente ou inconsciente; mas há alguma sensação, um sentimento de algo inicialmente estranho e novo. Em seguida, mais familiar, porém elusivo, mas sempre prazeroso. Isso certamente não é o que Alexander chama “controle consciente”; mas isto, segundo ele, era um objetivo a ser atingido, não uni caminho fácil de se seguir. No entanto, mesmo que continuemos a dirigir o uso de nós mesmos baseados no sentimento/sensação, nós obteremos algum beneficio desde que nosso sentimento seja retificado por essa nova experiência. No final das contas, se nós tivermos que adquirir algum controle racional sobre as nossas ações, – fazer o que nós queremos fazer – necessitamos aprender a ‘inibir’; e esta talvez seja a lição mais difícil.

 

Obviamente a Técnica é individual, no sentido de ter que ser aprendida individualmente – qual a outra forma de aprendê-la? Ela não é facilmente ensinada coletivamente devido à necessidade da própria experiência nas mãos do professor, Porém, essa declaração pode ser enganosa. Diz-se que a Técnica não pode ser entendida sem urna experiência prática; usa-se esse argumento como desculpa para negligenciá-la. É claro que ela não pode ser completamente entendida; mas, conforme o nosso conhecimento do ser humano e nossa capacidade intelectual aumentam, seu significado pode ser muito bem apreciado.

 

Sendo urna Técnica do ‘homem como instrumento”, ela tem claramente uma vasta gama de aplicações na vida diária. Ela se aplica a todas as habilidades e atividades; ao próprio viver. Ela certamente não é, corno Alexander enfatizou, um caminho para o paraíso ou uma panacéia; não é urna nova seita na filosofia; nem mesmo urna nova religião secular. No âmbito da medicina, ela é um fator essencial para se chegar a um diagnóstico completo, mas não é essencialmente uma Técnica terapêutica – como se pensa normalmente – porque ela não foi criada como remédio ou cura, excetuando-se quando no uso indireto em aperfeiçoar o funcionamento pela reeducação levando, assim, a uma prevenção do mau uso. Ela é, sobretudo, urna forma de educar e, corno tal, sua mais importante aplicação está na esfera educacional.

 

A respeito da palavra ‘prevenção”, F.M. Alexander escreveu que no seu sentido mais abrangente, ela implica na existência de condições satisfatórias cuja mudança para pior pode ser evitada. “Nesse sentido, a prevenção não é possível na prática hoje em dia, já que as condições agora presentes no homem civilizado são tantas que seria difícil encontrar alguém inteiramente livre de manifestações decor- rentes do mau uso e funcionamento,.14

 

No que diz respeito a bebês, assume-se geralmente que, exceto em alguns casos infelizes, eles estão perfeitamente em forma e com boa saúde desde o nascimento, pelo menos até uma determinada idade. Incidentalmente, o que Alexander chamou de ‘uso” de unia criança normal – o uso habitual de todas as partes do organismo que é colocado em prática em resposta a um estímulo – normalmente mostra os primeiros sinais de deterioração fogo depois dos dois anos de idade; em muitos casos, ele se deteriora consideravelmente por volta dos cinco anos de idade.15 O que acontece depois disso é a experiência comum.

 

A prevenção do mau uso aos 2 anos de idade é obviamente uma tarefa difícil; mas, se todos os pais e aqueles com responsabilidade sobre uma criança soubessem os sinais a serem observados e o que deve ser efetivamente evitado, seria possível organizar o ambiente da criança e seu modo de vida de tal maneira que o estímulo ao mau uso raramente apareceria. Mas para isso, quem estivesse envolvido precisaria certamente ter um conhecimento e experiência pessoais da Técnica.

 

Onde a deterioração do uso e do funcionamento já é evidente, faz-se necessário um processo de reeducação. Com crianças pequenas, um ajuste cuidadoso do ambiente e do estilo de vida é, provavelmente, a primeira condição essencial. Em seguida, elas precisarão da ajuda prática das mãos de um professor. Obviamente, essa ajuda deve ser altamente capacitada porque uma criança pequena é um organismo sensível em crescimento, podendo tanto tirar proveito de uma boa experiência como sofrer por causa de uma experiência. Além disso, a abordagem do professor em relação à criança precisa ser muito gentil; se surgir algum antagonismo isso pode causar um grande prejuízo.

 

Finalmente, deve-se considerar a educação – ou seja, a escola e o próprio processo de aprendizagem. Desde o princípio, as crianças aprendem por um processo de imitação subconsciente, sendo altamente importante que os responsáveis apresentem bons exemplos de uso, funcionamento e reações comedidas neles próprios. Mais tarde, a partir do desenvolvimento da inteligência, muito pode ser ensinado na escola sobre o funcionamento do corpo humano num sentido prático, tanto intelectualmente como através da oportunidade de se experimentar e observar. Uma grande habilidade no ensino da Técnica Alexander será requisitada – a instrução com as mãos será essencial para obter a experiência prática da Técnica – tanto quanto é necessário o conhecimento para explicá-la, demonstrá-la, cultivar o entendimento e interesse para o desenvolvimento da razão, instrução e controle conscientes. Assim, o esporte, jogos, atletismo, música e dança, assim como todas as outras técnicas e habilidades serão incluídos no currículo, além da própria Técnica. A melhor recomendação é o sucesso dos esforços na atividade proposta. Quanto à assim chamada Educação Física, esta deixará de ser mera questão de exercícios nos moldes antigos (como, de fato, ainda ocorre em muitas escolas) para ser substituída por muitas outras atividades variadas nas quais, tanto teórica corno praticamente, a criança poderá aprender algo a mais sobre um melhor funcionamento de si própria.

 

Igualmente, o próprio trabalho escolar poderia acomodar o conselho e ajuda oferecidos por métodos de trabalho e estudo, desde os aspectos fisiológicos do aprendizado, memória, etc., à preparação para exames,- assim como a escrita, desenho e técnicas de leitura.

 

É, portanto, na esfera educacional que a Técnica F. Matthias Alexander receberá a sua mais importante aplicação. As pessoas formadas nessas bases serão capazes de responder à questão “Como posso desempenhar da melhor forma possível o que eu quero fazer?” O conhecimento que tiverem da Técnica lhes fornecerá um tal conhecimento prático do organismo humano, que eles não serão levados a acreditar que a vida é normalmente conduzida através de moldes racionais, ou que basta pensar racionalmente para poder agir racionalmente. Estas pessoas terão tido experiência suficiente com as dificuldades de controlar suas próprias reações para saber que o processo de uma razão consciente não é facilmente cultivado e que este processo somente pode ser cultivado através de meios que I(-,vem em consideração o funcionamento do organismo como um todo. Elas estarão aptas a fazer algum uso prático do novo conhecimento adquirido e de novas descobertas em qualquer esfera. Entendendo o controle primordial de Alexander e o mecanismo anti-gravitacional, eles entenderão que ‘o Homem é, de fato, um mecanismo; mas, ele é um mecanismo que, apesar de suas limitações de vida, sensibilidade e crescimento, está criando e operando a si próprio” 16.

 

 

NOTAS

1- Dewey, Professor John: Introdução para a edição de “Constructive Conscious Control of the lndividual” de F.M. Alexander. Londres. 1923.
2 – “Systematics” Vol. 1. N’ 1. 1963.
3 – Bennett, J.G.: “General Systematics” ibid.
4 – Alexander, F. Matthias. “The Use Of The Self”. Londres. 1932.
5 – Gazulov, Dr. Sergei: ‘Conferência Sobre Medicina Espacial”. Varna, Bulgária. Daily Express. Londres. 27 de Setembro de 1962.
6 – Coghill, Professor G.E.: “Anatomy and the Problen-i of Behaviour” Cambridge. 1929.
7 – Jones, Dr. Frank P.- “Neck -Muscie Tension and the Postural Image’ Ergonomics, Vol. 4 Nª2, 1961.
8 – Sherrington, Sir Charies-. ‘Man on his Nature” Cambridge. 1940.
9 – Sherrington, Sir Charies: “The Endeavour of Jean Fernel” Cambridge. 1946.
10 – Magnus, Professor Rudolf: “Cameron Prize Lectures on Some Results of Studíes in Physiology of Posture”. Lancet. 2;531,585.
11 – ld., “Lane Lectur(,-s on Experimental Pharrnacology and Medicine” 1930.
12 – Coghiil, Professor G.E.. em “The Universal Constant in Living” de F. Matthias Alexander, Londres. 1942.
13 – Jones, Dr. Frank P.. Op.Cit.et.al.
14 – Aiexander, F. Matthias: “The Use Of The Self’. Londres. 1932.
15 – Frank, A.: “A Study in Infant Development” Child Dev. Vol.9 N”.1. 1938.
16 – Coghill, Professor G.E.: Op.Cit.

 

NOTAS DO TRADUTOR
NT.1 – “O Uso De Si Mesmo”, Martins Fontes, Editora Ltda, Trad. lvone Castilho Benedetti – Primeira edição brasileira, Dezembro 1992.
NT.2 – Quando traduzi o termo Primary Control, tentei diferenciar Controle Primário (a relação cabeça-pescoçt)-costas) de Controle Primordial (uma condição latitude benéfica atingida somente quando se aplica o Controle Primário).
NT.3 – Falando em uma palestra endereçada a médicos e fisiologistas do Rio de Janeiro, um professor brasileiro da Técnica ouviu o seguinte comentário, depois de ter dito que o traballio da Técnica Alexander já havia sido citado por Nikolaas Tinbergen na revista científica ‘Sciejice’ (‘Ethology and Stress Diseases’ 185-4145: 28, 1974): “Como já até saiu na’Science’ e nós nunca ouvimos falar?”
NT.4 – Esses experimentos científicos e seus resultados, adicionados pelas informações do tempo em que Dr. Frank Pierce Jones estava recebendo aulas de A.R. e F.M. Alexander, assim como do período de seu curso de treinamento como professor da Técnica, foram publicados, sob a forma de livro, pela primeira vez, em 1976 e, depois, em 1979 pela Schocken Books lnc., Nova lorque, sendo considerado como um dos melhores e mais abrailgentes livros sobre a Técnica Alexander, não pela sua valiosa contribuição científica, como também pelo seu valor historico e de síntese.
NT.5 -Alexander não iniciava um curso de aulas a não ser que o aluno concordasse em ter aula,, diárias. Em se tratando de reeducação sensorial, a freqüência sucessiva de aulas como prática diária é de capital importância. O estilo de vida contemporâneo e a falta de disponibilidade financeira nos dias de hoje fazem com que os professores atuais não exijam tamanho compromisso por parte dos alunos. Portanto, esses números são relativos.

 

Trechos entre aspas simples ‘’, em Negrito foram adicionados e/ou selecionados pelo tradutor.

 

A Primeira Edição do texto integral foi extraída do periódico Inglês ‘Systematics’Vol. 1. N’ 3, Dezembro 1963.
Essa tradução foi baseada na segunda edição do original publicada por The Sheildrake Press – Londres 1970.

Tradução: Reinaldo S. Renzo
Revisão e Edição: Ricardo Dannemann
Agradecimentos pela contribuição valiosa na primeira revisão para Valeria Campos, Roberto Reveiliau e Rogério Correa, pela penúltima.

As opiniões de cada autor expressa nos artigos não refletem necessariamente o pensamento da ABTA e seus membros.