Roberto Reveilleau

Porque tantos músicos instrumentistas têm problemas posturais? Independente do instrumento, de ser amador ou profissional, de ser erudito ou popular, uma grande parcela dos músicos teve ou tem problemas relacionados a posturas inadequadas. É só perguntar a um músico se ele conhece alguém com problemas físicos para observar como isso esta disseminado, como uma grande epidemia. Para resolver essa questão muitos músicos recorrem a uma série de paliativos, que não cabe aqui identificar, tentando minimizar seu problema para que possa seguir realizando suas tarefas da prática instrumental.

 

Chegamos então a seguinte conclusão: será que tocar um instrumento faz mal a saúde? Será que a estrutura física do homem contemporâneo é tão frágil que não permite executar determinadas atividades sem conseqüências desastrosas?

 

No final do séc. XIX um ator e declamador australiano chamado F. M. Alexander colocou uma luz sobre esta questão. Identificou que de uma maneira geral o ser humano vai adquirindo uma série de maus hábitos posturais. Esses hábitos automatizados interferem na coordenação do corpo desde os movimentos mais simples do cotidiano, como andar, sentar, escrever, falar até os mais complexos como cantar, dançar ou tocar um instrumento. A repetição incessante de tais padrões posturais leva a uma infinidade de conseqüências nocivas a saúde tão comum nos dias de hoje. Alexander identificou que só um trabalho de reeducação psico-físico poderia reverter estes problemas.

 

Este trabalho se iniciou quando Alexander tornou-se um renomado ator shakespeareano na Austrália e Nova Zelândia e seus recitais tornaram-se bastante populares. Sua saúde foi piorando em função de suas constantes apresentações, problemas respiratórios e rouquidão tornaram-se uma constante. Sem sucesso com os especialistas da época, Alexander iniciou uma pesquisa para solucionar esses problemas. Percebeu que seus problemas de voz e respiração eram apenas conseqüências de um desequilíbrio total de seu corpo. A partir daí, desenvolveu uma prática, hoje chamada de Técnica Alexander.

 

Atualmente, mesmo sendo desconhecido do grande público, seu trabalho vem sendo aplicado em diferentes instituições de ensino ao redor do mundo. Está incluída nos currículos de Universidades, Escolas e Conservatórios de Música, Teatro e Dança como base para uma exploração criativa, aperfeiçoamento da saúde, clareza mental, compreensão e expansão do potencial Humano. Diversas terapias, processos de autoconhecimento e técnicas corporais existentes hoje tiveram a influência dos princípios desenvolvidos por Alexander.

 

Voltando à questão dos músicos, podemos observar que tocar um instrumento ou cantar envolve a habilidade de coordenar pensamento, movimento e expressão. Muitas vezes, na tentativa de se obter um bom resultado, problemas posturais e de coordenação são subestimados permitindo que padrões de tensão muscular se estabeleçam e tornem-se habituais. Invariavelmente, os músculos do pescoço se contraem excessivamente fazendo com que a cabeça perca a sua posição natural no alto da coluna, acarretando enorme contração de alguns grupos musculares de sustentação do corpo.

 

A Técnica Alexander não é um paliativo que se usa depois de um ensaio ou antes de uma apresentação. É um instrumento valioso em todas as etapas de trabalho do músico. Eles aprendem a observar e a prevenir a automatização de hábitos neuro-musculares que causam tanto um empobrecimento na prática do instrumento quanto resultados nocivos à saúde. Este trabalho da Técnica Alexander com músicos vem sendo realizado desde 1996 na Universidade do Rio de Janeiro (UNI-RIO) através de Cursos de Extensão Universitária oferecidos pelo Departamento de Música em convênio com os Seminários de Música Pró-Arte. É a primeira vez no Brasil que uma faculdade de música oferece periodicamente a seus alunos aulas da Técnica Alexander.

 

Estes cursos têm dado condições aos estudantes de desenvolver seu treinamento musical paralelamente ao estudo da Técnica Alexander. Seguindo o período letivo da universidade, as aulas em grupo são ministradas semanalmente. O trabalho acontece de forma individualizada. Os alunos praticam com seus instrumentos passagens musicais que estejam trabalhando em seus ensaios ou onde observam dificuldades na execução, como tensão demasiada em determinadas articulações, dificuldade de movimento em alguma parte do corpo ou posturas inadequadas que levam a um incômodo geral.

 

É interessante observar que, quanto mais experiência os alunos têm com a Técnica Alexander, maior a capacidade de observação sobre si mesmo e consequentemente maior a capacidade de pesquisa com seus instrumentos. A cada semana os alunos trazem novas informações sobre suas dificuldades e suas observações de como preveni-las durante a execução musical. Este processo transforma radicalmente a maneira de se pensar sobre a prática musical. Os alunos tornam-se conscientes de si como primeiro instrumento de trabalho e percebem que qualquer modificação da prática só será possível através de uma modificação no seu próprio uso do corpo. Ao final do semestre, fica claro aos alunos que o curso foi apenas o ponto de partida de uma nova etapa de conhecimento, onde cada um, através dos meios praticados em sala de aula, irá experimentar em sua vida romper com os limites impostos pelos hábitos e interferências adquiridos ao longo dos anos. Os resultados são bastante positivos e os alunos consideram essa técnica de grande valia no aprendizado e performance de suas artes.

 

Texto publicado no Jornal O Globo, encarte do Jornal da Família no dia 27 de Junho de 2004.

 

Roberto Reveilleau graduou-se na Técnica Alexander em 1992 pelo Constructive Teaching Centre, Londres-Inglaterra. É membro da Society of Teachers of the Alexander Technique, Inglaterra e da Associação Brasileira da Técnica Alexander, ABTA. Ministra cursos de extensão universitária desde 1995 pelo Departamento de Música da Universidade do Rio de Janeiro, UNI-RIO.

As opiniões de cada autor expressa nos artigos não refletem necessariamente o pensamento da ABTA e seus membros.