Mary Holland   

Cada vez mais pessoas estão ouvindo falar da Técnica Alexander, e muitas já devem ter percebido que, até mesmo seus amigos que estão tendo aulas da Técnica, são incapazes de explicar com exatidão do que ela se trata.

Uma pessoa interessada poderá deduzir que a Técnica Alexander talvez seja um sistema de relaxamento ou postura. Mas, na verdade, isso não é correto; a Técnica Alexander também não é um método de exercícios; nem está relacionada com ioga. É bem possível que uma pessoa tenha chegado a ouvir: “Não adianta tentar explicar – você terá que ter uma aula se quiser realmente saber do que se trata”. Por que? Uma das razões é que o que a pessoa obtém em uma aula é, essencialmente, uma experiência, uma experiência de, gradualmente se sentir em um estado melhor. E traduzir uma experiência em palavras é como tentar explicar o que é música a alguém que nunca tenha ouvido música.

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Portanto, qualquer tentativa de explicar a Técnica Alexander verbalmente, será necessariamente limitada. No entanto, isso não significa que tal tentativa não poderá ser proveitosa.

 

A palavra ‘técnica’ poderia ser definida como ‘uma maneira de funcionar’.N.T.1 Normalmente, significa uma maneira de trabalhar em arte. Vamos considerar a maneira ‘Alexander’ de operar, não na arte de fazer música, ou de pintar, de arranjos florais ou mesmo no ato de pescar, mas em um outro sentido, um sentido muito mais fundamental do que todos esses: na ARTE DE USARMO-NOS A NÓS MESMOS . Para usarmo-nos a nós mesmos, para viver, nós temos que nos mover. O movimento é uma das maneiras com as quais nos usamos a nós mesmos como instrumentos, em toda e qualquer atividade que realizamos. Por exemplo: lendo essa revista, suas mãos têm virado as páginas, e seus olhos têm se movimentado para que seja possível que você as leia. Movimento é vida. Uma pessoa desenvolvendo a habilidade de tocar o violino está, na verdade, aprendendo a usar não somente um, mas dois instrumentos. É claro que ela tem que aprender a estrutura do violino, como ele funciona, quão pesado ele é, como segurá-lo, como tirar sons dele… mas é sua mão que o segurará, seu corpo que terá que apoiar o peso do instrumento, seu braço que terá que se mover para deslizar o arco sobre as cordas. E a maneira com a qual a pessoa usa a si própria determinará, até que consideravelmente, a maneira com a qual ela toca o instrumento.

 

No nosso cotidiano, os movimentos expressam bem o nosso estado geral. Quando estamos alegres e as coisas vão indo bem, nos sentimos mais leves e mais livres do que quando estamos deprimidos. Se um amigo vem nos dar uma boa notícia, antes de ele sequer dizer uma só palavra, através de seus passos, nós sabemos que a notícia é boa. Enquanto que, se a notícia for má, ele parecerá fisicamente mais pesado e “para baixo”. É interessante como, no dia-a-dia, algumas expressões são precisas na descrição de nossos estados físicos: “Eu me sinto super para baixo hoje”, ou “Ela está nas nuvens” ou mesmo “Eles são tão rígidos!”.

 

Na verdade, não podemos saber como uma pessoa vivência os seus movimentos tanto quando podemos saber como ela pensa ou sente. É até mesmo difícil sabermos como pensamos e sentimos. Porém, o movimento é mais diretamente observável do que o pensamento ou a emoção, e já que a relação entre os três é incrivelmente entrelaçada, a observação e o trabalho com o movimento podem se constituir em trabalho em ‘nós mesmos’ em muito mais níveis do que podemos imaginar. Aprender a se movimentar, por um lado, é aprender uma habilidade e, aparentemente, há algumas qualidades comuns que determinam o sucesso na execução de qualquer habilidade.

 

Por exemplo: você já pode ter percebido o imenso prazer que sentimos ao assistirmos pessoas executando algo em que são competentes. Um acrobata executando uma façanha de equilíbrio aparentemente impossível tem em si um senso de facilidade e prazer que são comunicados à platéia. O relojoeiro trabalhando com minúsculas peças do aparato impressiona um observador com seu infinito cuidado e paciência. Uma bailarina pode parecer tranqüila enquanto executa uma dança com rápidos e complicadíssimos passos. Inerente a todas essas qualidades de facilidade, prazer, cuidado, calma, está a habilidade de não se apressar. De saber esperar. O acrobata não se precipita, ele espera para se preparar antes de começar a andar na corda bamba; o relojoeiro necessita de paciência, e isso significa saber esperar. Enquanto ensaia seus movimentos lentamente, a bailarina não se apressa, para que na apresentação, ela possa ficar calma e deixar os movimentos rápidos de seus pés acontecerem.

 

Se quisermos exemplos de habilidade na arte de usarmo-nos a nós mesmos, em movimento, basta olharmos a uma criancinha. A facilidade, o porte, equilíbrio e variedade de movimentos de uma criança de dois anos de idade, executando qualquer atividade que seja, representa um contraste muito forte com a realidade das juntas endurecidas e músculos encurtados e rijos que impedem os movimentos de pessoas idosas. Também uma criança que está aprendendo a andar, muito freqüentemente não se apressa, ela parece que pára para pensar qual seria a melhor forma de enfrentar um problema como talvez, o de descer os degraus de uma escada, enquanto que, quando mais velhos, nós tendemos a repetir o hábito de nos apressarmos, e não nos oferecemos a possibilidade de parar e pensar.

 

Portanto, em aprendendo a Técnica Alexander, que bem simplesmente está relacionada com parar e pensar, nós não estamos aprendendo nada novo. Estamos re-aprendendo a habilidade de usarmo-nos bem, mas conscientemente, para não a perdermos novamente. Perder nosso bom uso pode acontecer por diversas razões e em diferentes estágios de nossas vidas. Más experiências emocionais podem iniciar o processo, ou mesmo algo mais simples, como imitar inconscientemente o mau uso de nossos pais ou outras pessoas.

 

A Técnica Alexander se originou porque um ator australiano chamado Frederick Matthias Alexander percebeu o seu mau uso e se comprometeu a tentar melhorá-lo. O que iniciou esse processo foi o fato de que ele se achou em uma situação em que muitas pessoas, antes dele e certamente muitas depois, devem ter se achado: ele sofria da frustração de não ser capaz de continuar fazendo o que queria mais fazer. O que ele mais queria fazer, e o vinha fazendo com muito sucesso durante muitos anos, era atuar. Ele temia não ser capaz de continuá-lo fazendo porque ele começou a ter problemas com sua voz. Na Austrália dos anos 1880, uma forma popular de diversão era o recital solo. Essa era a sua especialização. Ele adorava fazê-lo e era bom nisso. Mas depois de alguns anos de sucesso se apresentando, ele começou a sofrer de rouquidão e perda de voz. Uma condição embaraçosa para qualquer ator, mas um desastre para um ator solo. Isso acontecera antes do tempo do microfone e qualquer outro aparato tecnológico. Naquele tempo, era extremamente necessário ter uma voz forte para que fosse ouvida no fundo do teatro ou da sala. A primeira obrigação de um ator é a de ser ouvido, e um que não pode ser ouvido, o melhor que tem a fazer é se aposentar. Mas se ele desistisse, estaria jogando fora muitos anos de estudo e preparação, e alguns outros de sucesso. Portanto, esse problema era sua frustração. Ele queria continuar atuando, fazendo o que mais queria, mas ele não conseguia ver uma maneira de tornar a sua voz mais confiável.

 

Se ele fosse um músico que tocasse algum instrumento de cordas, seu problema seria a relutância em dar concertos porque ele não estaria seguro de que seu braço, a parte de seu corpo que mais trabalharia para segurar o arco, funcionasse. Obviamente, a parte que mais trabalha, no caso de Alexander, a sua voz, será aquela que reclamará mais se estiver sendo continuamente mal-usada. Na sua procura por maneiras de melhorar sua voz, Alexander tentou vários métodos de professores vocais e médicos, mas sem sucesso duradouro. Finalmente, desesperado, quando foi chamado para um recital importante, ele pediu socorro, mais uma vez, a seu médico. Desta vez, o médico sugeriu, que ele não falasse por duas semanas antes do recital e que descansasse sua voz o mais que pudesse. Alexander seguiu as sugestões, e na noite do recital, tudo parecia estar indo bem, mas sua rouquidão voltou e no final da apresentação, ele praticamente não conseguia mais falar.

 

O que aconteceu em seguida é um exemplo de um mal que veio para o bem. Ele deve ter se sentido muito desencorajado e deprimido. Mas não deixou de se perguntar qual a verdadeira razão pela qual isso estava acontecendo. Depois disso, ele perguntou a seu médico: “Não seria razoável concluir que naquela noite eu estaria fazendo alguma coisa, na maneira de usar a minha voz, que causou o problema?” O médico concordou que só poderia ser isso, porém não pôde dar qualquer contribuição sobre o que seria.

 

A essa altura, é interessante notar o quê Alexander não fez. Ele não gastou anos procurando outros professores. Ele não continuou indo de médico em médico queixando-se da falta de competência destes para curá-lo. Acima de tudo, ele não desistiu de ser ator e foi procurar outra profissão, passando o resto de sua vida reclamando sobre a “fatalidade” que o fez desistir do que ele mais gostava de fazer. Ele decidiu que, se estivesse fazendo alguma coisa errada naquele recital que causasse sua rouquidão, a causa estaria em suas mãos. Ao invés de culpar as circunstâncias, ou mesmo maus professores, ele assumiu a responsabilidade pela sua própria condição.

 

Quando começou, ele contava com somente dois fatos concretos: ele ficava rouco enquanto trabalhava e não ficava rouco no cotidiano, enquanto usava sua voz para falar. Portanto, ele estava fazendo alguma coisa enquanto recitava que não fazia quando usava sua voz no dia a dia. E como não podia sentir a diferença, ele pensou que talvez fosse possível ‘ver’ alguma diferença. A determinação em resolver seu problema sozinho o levou a se observar em um espelho.N.T.2

 

Se ele percebeu ou não, o que ele estava observando no espelho era movimento. A fala e a respiração são movimentos e em recitação dramática, a execução de gestos também provocaria movimentos de seus braços e mãos. Ele observou sua maneira de falar, como o fazia no dia a dia, e então a comparou com a maneira com a qual ele recitava, esperando ver alguma diferença, e talvez, na diferença, encontrar a indicação como resposta. Não há qualquer documentação sobre ‘o quê’ ele conversava com a imagem no espelho, ou mesmo o que a sua família achou desse estranho procedimento.

 

Depois de muita observação paciente, ele percebeu três coisas que pareciam estar acontecendo em passagens difíceis durante o seu recital: ele estava contraindo os músculos de seu pescoço, o que resultaria na ação de puxar a cabeça para trás, comprimindo sua laringe e inspirando forçosamente o ar para dentro da boca produzindo um som arfado. Mais tarde, ele viu que também fazia essas mesmas três coisas enquanto falava normalmente, mas em um grau muito menor. Essas três coisas pareciam ser parte de um padrão de mau uso e movimentos mal coordenados, que pareciam estar conectados de alguma forma. Em tentando perceber se alguma dessas ações causava as outras, ele descobriu que se pudesse prevenir o puxar de sua cabeça para trás, a pressão sobre sua laringe diminuía e sua respiração fazia menos barulho. Ele considerou, mais tarde, que essa descoberta fosse da maior importância porque o fez concluir quão essencial, para o movimento coordenado e o bom uso, é a soltura dos músculos do pescoço e o conseqüente porte da cabeça sobre a coluna.

 

Mas o ser humano funciona como uma unidade. Não foi suficiente pensar que o problema estava resolvido trabalhando somente em uma parte. Ele veio a perceber que o mau uso de seu pescoço e cabeça era ‘uma parte’ do padrão total de mau uso que atingia até os dedos de seus pés. Alexander então estabeleceu que o mau uso de si mesmo, era o mesmo com o qual ele levantava uma xícara, agachava-se para pegar qualquer coisa do chão, ou o mesmo mau uso com o qual nos sentamos, nos levantamos, andamos… todas essas maneiras formam nosso padrão particular de nos usarmos. Erramos, assim como ele, na maneira de fazermos mais esforço do que o necessário para nos deslocarmos e nos movermos.

 

Alexander descobriu, depois de semanas, meses e até anos de contratempos e novos começosN.T.3, que o que ele realmente deveria fazer era prevenir sua forma habitual imediata de reagir à idéia de falar, ou mesmo, à ideia de fazer qualquer outra coisa, de tal forma que ele teria que se dar mais tempo para pensar, permitindo que a nova maneira de ‘se usar’ pudesse funcionar. Não foi uma questão de se forçar a fazer as coisas diferentemente, mas sim uma maneira de parar de fazer as coisas erradas, de tal forma que as corretas pudessem acontecer. E quando ele estivesse apto a manter essa nova maneira de usar-se e, por conseqüência, a nova maneira de usar sua voz, a rouquidão desapareceu completamente e sua saúde geral, que desde sua infância nunca fora muito boa, melhorou e se estabeleceu até o final de sua vida.

 

A essa altura, o leitor deve estar pensando: está bem, ótimo que Alexander tenha conseguido resolver o seu problema vocal na Austrália no final do século passado, mas que relevância tem isso para nós que vivemos e trabalhamos na década de 70?

 

Bem, para a nossa sorte, o trabalho de Alexander não parou nele. Ele desenvolveu uma nova maneira de ensinar outras pessoas para que seu trabalho continuasse até os dias de hoje. No começo, ele não tinha a intenção de ensinar ou qualquer razão para acreditar que alguém, além dele, ‘mal-usasse a si mesmo’. Porém, depois que ele conseguiu resolver o problema de sua voz, após os recitais que dava, as pessoas ficavam impressionadas com o seu porte, comando e controle, e passaram a pedi-lo que os ensinasse como o fazia. Mais tarde, ele teve que tomar a decisão se gostaria de continuar trabalhando como ator/declamador ou como professor e ainda bem que ele escolheu a de professor. Ele veio de Sidney para Londres em 1904, onde ensinou muitas pessoas, Aldous Huxley e George Bernard Shaw, entre outros, até sua morte em 1955. Nos cerca de vinte anos precedentes à sua morte, ele iniciou um curso de treinamento para professores para instruir outros como ensinar o seu trabalho. Alguns desses professores treinaram outros e, no momento, existem por volta de cem professores na Inglaterra e muitos mais nos E.U.A., Canadá, Dinamarca, França, Holanda, Israel, Suécia, Suíça e Austrália.N.T.4

 

O leitor pode estar se perguntando: “O que acontece em uma aula da Técnica Alexander? Se eu fosse fazer uma aula, o que eu deveria esperar?” O que acontece em uma aula da Técnica Alexander é tão difícil de definir como o que acontece em uma aula de violino. Depende muito das condições e necessidades do aluno no momento. É quase sempre ensinada individualmente. Mas, basicamente, nós todos temos que aprender o que Alexander aprendeu: a mudar a maneira com a qual nos usamos a nós mesmos, desenvolver uma atitude de não tentarmos desesperadamente chegar a um resultado a qualquer custo, mas sim de tomar cuidado para que possamos nos dar tempo para pensar como vamos atingir aquele resultado. Portanto, a maneira Alexander de trabalhar é primordialmente aprender a não fazer, a não tentar. Em uma aula, o aluno aprende isso de uma maneira prática através das mãos do professor. O professor trabalha com suas mãos no aluno – mas não para manipulá-lo, ou nem mesmo para massageá-lo, e sim para sugerir à sua musculatura uma orientação gentil, guiando-o para um estado novo, leve e em equilíbrio. Se o aluno conseguir ‘não fazer’, ou em outras palavras, deixar que o professor o guie nesse estado mais apropriado, ele perceberá uma mudança acontecer. O grau de consciência sensorial dessas mudanças varia enormemente de pessoa para pessoa; portanto, algumas pessoas as perceberão mais que outras. Mas, normalmente, as mudanças são percebidas como uma sensação de leveza, facilidade e liberdade de movimento. E, a partir daí, o aluno tem a possibilidade de escolher se quer mover-se, continuando a usar-se a si mesmo dessa nova forma, ou se preferirá mover-se da forma habitual. Obviamente, se estivermos mudando padrões desenvolvidos no decorrer de muitos anos, uma mudança permanente não será obtida do dia para a noite. Mas o aluno, que aprende a parar e se dar tempo para pensar construtivamente sobre os seus movimentos cotidianos, perceberá que esse procedimento simples pode atingir resultados de grande repercussão. As mudanças na maneira com a qual nos movimentamos podem trazer mudanças positivas correspondentes ao nosso estado geral, com conseqüentes efeitos na nossa vida e de comportamento nas pessoas com as quais entramos em contato.

 

O aluno sendo um músico, se dará conta da importância da facilidade e liberdade de seus movimentos e, se conseguir atingir isso na sua vida cotidiana, ele será capaz, com o tempo, de obter essas qualidades durante a execução musical.

 

N.T.1 No original em Inglês, A Way of Working. ‘Working’ em Inglês, compreende diversos significados, entre outros: trabalhar, operar e funcionar. Durante todo o texto, eu escolhi a palavra que mais se enquadra no contexto.

N.T.2 Sabe-se que, depois de alguns experimentos, Alexander se utilizou de mais de um espelho para observar-se por todos os lados.

N.T.3 Alexander nos da um relato detalhado e interessantíssimo desse processo (que durou de sete a dez anos) no seu terceiro livro The Use of the Self (O Uso de Si Mesmo – Martins Fontes) ao longo do capítulo intitulado A Evolução de uma Técnica.

N.T.4 Esse número – na época da corrente tradução (janeiro de 1999)- é de aproximadamente 780 professores membros afiliados à STAT no Reino Unido. A STAT é a maior, mas não a única, sociedade de professores da Técnica Alexander. Atualmente existe um grupo de 14 associações internacionais afiliadas a STAT.

 

Retirado do periódico “The Strad” Vol 89, 1063, Novembro de 1978
Tradução: Reinaldo S. Renzo
Revisão: Ricardo Dannemann

As opiniões de cada autor expressa nos artigos não refletem necessariamente o pensamento da ABTA e seus membros.